(Porta Pura Lempuyang, na Indonésia)
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Dom Paulo avistou de longe a estrela vermelha no quepe
verde-oliva do grandalhão que o esperava no portão.
– Bem-vindo, Paulo!
– Ah, queridíssimo Fidel, não me admira vê-lo por aqui…
Fidel Castro gargalha.
– Olha que fizeram muitos memes e piadas comigo ardendo no
fogo do inferno e competindo com o Satanás em pessoa.
– Imagina, todos sabemos com quanto heroísmo e sacrifício o
povo de seu país conseguiu resistir às agressões externas e erradicar a
miséria, o analfabetismo e os problemas sociais crônicos. Pecado, para mim, é
que alguém no Brasil ainda esteja sem terra após 500 anos. A igreja sempre
apoiou o MST e sempre vai apoiá-los, enquanto não houver justiça e melhor
distribuição da terra. Até hoje nunca houve justiça social no Brasil.
– Ah, amigo Paulo, sinto tanto ter vindo para cá sem
concluir a promessa de cortar a barba quando tivesse feito o governo que sonhei
para Cuba… Falta muito ainda para que minha ilha chegue de fato ao socialismo.
Estou cada vez mais convencido de que as ideias socialistas são as ideias do
futuro. O futuro qual vai ser, o capitalismo? O capitalismo é uma selva. É o
homem inimigo do homem, o homem roubando o homem. Só um regime superior a este
pode levar a sermos como irmãos, como uma família. Olha só, pareço um cristão
falando! Mas, diga-me: e do Brasil, que notícias você traz?
– Você sabe que eu sempre quis ser lembrado como um amigo do
povo. E deixei minha pátria triste com o que estava acontecendo por lá: um
governo ilegítimo ameaçando o futuro justamente do povo mais pobre e sofrido.
Quem não ama o povo não tem religiosidade verdadeira. O pobre, meu caro Fidel,
é a moeda de Deus. E o que ameaçam fazer com os velhos, acabando com a
aposentadoria! Como eles vão viver? Como vão comprar remédios? Como vão se
sustentar e manter uma certa dignidade para dizer: ‘O Brasil é a minha pátria’?
O idoso brasileiro ainda não recebeu da nação o respeito que merece. Que Deus
nos preserve de males semelhantes àqueles que tivemos de suportar durante a
ditadura militar. Mas sou otimista: acredito que toda crise é momento de
mudanças qualitativas. E a nossa turma, anda por aqui? Niemeyer, Paulo Freire,
Helder, Darcy, Galeano, o Gabo?
– Todos. De vez em quando nos sentamos em uma nuvem para
fumar um charuto –Galeano, como bom uruguaio, prefere porros– e discutir a
existência de Deus, com o próprio. O velho barbudo não se cansa de tirar onda
com Oscar, que era ateu mas construiu igrejas para o catolicismo, sendo que o
todo-poderoso, na verdade, sempre gostou mais do candomblé…
– Hahaha. Você também tinha uma grande ligação com a
santería que eu sei… Achei inclusive uma pena que nas suas conversas com o Frei
Betto sobre religião vocês tenham abordado e falado tanto do catolicismo e do
cristianismo, a religião dos conquistadores, e não da religião dos escravos.
Você é mesmo filho de Oduduá, como dizem lá em Cuba?
– Respeito todas as religiões, ainda que não siga nenhuma
delas. Compreendo que os seres humanos busquem uma explicação para sua
existência, desde os mais ignorantes até os mais sábios. Mas fui um homem das
ciências até o fim. O que me preocupa não é a religião de cada um, mas que as
sociedades de consumo capitalistas, em sua fase neoliberal e imperialista,
estejam levando o mundo a um beco sem saída, onde as mudanças climáticas e o
custo crescente dos alimentos conduzam milhões de pessoas aos piores índices de
pobreza.
– É, não vai faltar assunto para conversar com você, velho
amigo.
– Temos toda a eternidade, camarada.
*Diálogo imaginário com frases reais de Fidel Castro e Dom
Paulo Evaristo Arns.
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