Só quem viveu nos anos de chumbo poderá aquilatar o papel de
Dom Paulo Evaristo Arns para o país.
Por Luis Nassif
Naqueles anos terríveis, recém-casado, eu
morava em uma quitinete na Bela Vista. Jornalista iniciante, toda manhã
acordava com o fantasma de Jacarta nos assombrando. Dizia-se que os militares
tinham preparado uma lista de 300 nomes para serem liquidados, repetindo o
banho de sangue de Jacarta.
Quando morreu Vladimir Herzog, o fantasma se materializou.
Fomos os jornalistas para nosso Sindicato, presidido por Audálio Dantas.
Parecíamos crianças embaixo de uma coberta assistindo filmes de terror e
procurando uma apoiar a outra.
O que nos dava esperança era a voz de Dom Paulo Evaristo
Arns, figura maior de uma aliança ecumênica em que participavam também os
inesquecíveis reverendo Wright, pelos protestantes, o rabino Henry Sobel pelos
judeus, o pastor Manoel de Mello pelos evangélicos. Era a religião cumprindo
sua missão histórica de enfrentar a barbárie.
Pouco antes, na revista Veja, fui incumbido de traçar um
perfil de dom Paulo, assim que assumiu o cardinalício em São Paulo. Fui à casa
episcopal. Em vez de depoimentos das cúpulas, procurei um quadro mais realista
com os funcionários.
Estavam encantados com dom Paulo por várias razões. Uma
delas, pelo fato de ser um príncipe em contato direto com o povo, onde o sinal mais
enfático era a torcida apaixonada pelo Corinthians. Outra, por ter devolvido à
Igreja de São Paulo uma importância política que, antes dele, apenas o Cardeal
Motta, conservador, tivera. A terceira, por sua determinação contra os esbirros
do regime.
Um dos funcionários me contou o dia em que dom Paulo, ainda
arcebispo, calou um débil dom Agnelo Rossi com um murro na mesa, pela recusa
dele em admitir publicamente a tortura aos dominicanos presos no DOPS.
No início do blog, publiquei um artigo sobre dom Paulo. Um
leitor deixou um testemunho eloquente nos comentários. Contou que estava preso,
com outros companheiros, quando receberam a visita de dom Paulo.
Vendo sua situação, dom Paulo aproximou-se da cela e passou
um recado:
- Tenham coragem!
As palavras de dom Paulo aqueceram o coração dos presos, da
mesma maneira que os nossos, na inesquecível missa da Catedral da Sé, pela
morte de Herzog.
A campanha das diretas revelou muitos vultos da pátria,
Ulisses, Tancredo, Lula, Teotônio, Covas, Montoro.
Por aqueles tempos, nenhum alcançou a dimensão de dom Paulo.
Depois dele, a Igreja ainda produziu algumas lideranças de envergadura. Hoje em
dia, não mais.
O depoimento do cl sobre Cláudio Abramo me lembrou meu caso
- infinitamente menos grave. Na greve dos jornalistas de 1979 fui detido e
levado ao DOI-Codi. Imediatamente seguiram para lá o cardel Arns, o senador
André Franco Montoro e outras pessoas. O porteiro do DOI-Codi impediu a entrada
de todos, como exemplo do que era o país naqueles tempos.
Via - GGN
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