Era a partida mais importante da História da Chapecoense. E
não aconteceu. Em seu lugar, uma tragédia. No mesmo dia, manifestantes foram
espancados pela PM, enquanto senadores aprovavam cortes na saúde e educação. De
um lado, o horror diante do que foi, de outro, o medo do que será.
Em uma ascensão meteórica, a Chapê subiu da Série D do
Brasileirão, em 2009, para a A, em 2014. E agora era finalista da Copa
Sul-Americana. Apesar de sempre tirar pontos dos “grandes”, embarcou para
Medellín, onde disputaria a final, como a queridinha do Brasil. Mas o sonho foi
interrompido pela queda do avião que levava a delegação e jornalistas.
Além do sofrimento das perdas, porque perder vidas sempre
dói demais, fica a sensação de injustiça. O clube vivia o seu auge, os
jogadores brilhavam, a torcida estava fervorosa, a cidade se cobria de orgulho
sob a bênção de Condá. E repentinamente, acabou. Clariceando: “terminou com a
brusquidão e a falta de lógica de uma bofetada em pleno rosto”.
Horas depois, com o país ainda em luto, o espírito do índio
Condá tomou conta de Brasília, onde manifestantes combatiam a aprovação da PEC
55. Explico: o mascote da Chapê é uma homenagem ao cacique Vitorino Condá, um
dos líderes dos Kaingang, que lutou para que seu povo tivesse direito à terra
tomada pelos colonizadores (embora seja considerado como vilão por muitos, por
ter sido “domesticado” pelos brancos).
Com a mesma valentia e vítimas da mesma repressão sangrenta,
os manifestantes de Brasília lutavam para que o nosso povo não tenha seus
direitos tomados pelos golpistas. Isto porque a PEC 55 estabelece a limitação
nos gastos públicos com saúde e educação, dentre outros, por 20 anos, fazendo
retroceder conquistas como negros e pobres nas universidades e médicos nas
periferias.
E enquanto o Brasil sentia na alma o luto pela tragédia da
Chapecoense, os brasileiros sentiram na carne o preço da luta contra a tragédia
que é o golpe de Estado. Bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de
borracha e cassetetes feriram manifestantes, muitos dos quais precisaram de
socorro médico. O destaque midiático dado ao primeiro episódio se contrasta à
omissão dada ao segundo.
A História se repete
Não faz muito tempo, em 2009, o ônibus que transportava o
time do Brasil de Pelotas caiu em um barranco. No acidente, morreram o ídolo da
torcida, Cláudio Milar, o zagueiro Régis e o treinador de goleiros Giovani
Guimarães.
No ar, quase toda a equipe do Torino, da cidade italiana de
Turim, jornalistas e dirigentes do clube faleceram em desastre aéreo em 1949;
parte do elenco do Manchester United, em 1958; oito jogadores da seleção da
Dinamarca, em 1960; integrantes do escrete da Bolívia, em 1969; 178 pessoas,
sendo 17 jogadores do Pakhtakor Tachkent, da União Soviética, em 1979 e 18
jogadores e os técnicos da seleção da Zâmbia, em 1993.
Golpes também já aconteceram. No Brasil, foram vários e
várias tentativas, incluindo a Proclamação da República, que destituiu o
imperador Dom Pedro II. Os principais foram o do Marechal Deodoro, que fechou o
Congresso Nacional com 2 anos de República; o de 1930, que colocou Getúlio
Vargas no poder por 15 anos e o militar, que submeteu o país, de 1964 a 1985, a
anos de chumbo, torturas e “desaparecimentos”.
No futebol e na vida, não existe o “se”
Aos 49 minutos do segundo tempo, o goleiro Danilo, da Chapecoense,
salvou milagrosamente, com o pé, o gol que daria ao San Lorenzo, campeão da
Libertadores de 2014, a vaga na final da Sul-Americana. Se a bola entrasse, a
Chapê estaria fora da final e não teria embarcado naquele voo.
Só que no futebol não existe o “se”. Não tem como voltar no
tempo e ser diferente, tampouco saber como teria sido. Na vida, também não. Não
adianta chegar no fim e pensar: “ah, se eu tivesse lutado, tivesse resistido”.
A História se constrói no presente e o que tem que ser feito, é agora.
Panes em aviões podem ser reduzidas com manutenção
permanente, fiscalização e controle. Ainda assim, há sempre o imprevisível que
transcende a ação humana. Algumas tragédias não podem ser evitadas. Mas há as
que podem – e devem. O golpe é uma delas.
*Comunista, jornalista com passagem pelo jornal Lance!
Portal Vermelho
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