O homem que fotografou e filmou Lampião e seus cabras!
Benjamin Abrahão em fotografia realizada em um estúdio
fotográfico pernambucano. A partir do livro “Lampião o mito”, autoria de
Roberto Tapioca, 9ª edição, página 50.
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Por: Rostand Medeiros*
No início da vida bandida de Virgulino Ferreira da Silva, o
famoso cangaceiro Lampião, as suas ações, os seus feitos de armas, eram
basicamente conhecidos pelos sertanejos através dos cantadores, dos
emboladores, das conversas dos mascates nos dias de feira. Estes meios de
divulgação tradicionais, mesmo de forma lenta, ajudaram cada vez mais a criar
na população do sertão o temor e, igualmente, contribuíram na propagação do
mito ao redor da figura verdadeira.
Durante certo tempo muitos sertanejos não tiveram ideia da
aparência e de outros aspectos ligados à figura de Lampião. Logo surgiu na
imprensa uma boa quantidade de fotografias do chefe cangaceiro e este fazia
questão de se deixar reproduzir diante das câmeras. Ele não tinha a aversão que
o grande cangaceiro Antônio Silvino, preso em 1914, nutria pelas lentes
fotográficas. Pelo contrário, gostava tanto que até cartões com a sua foto
estampada foram um dia produzidos.
Na proporção em que cresciam as suas ações e a fama do seu
bando nos sertões nordestinos, a sua figura ultrapassava limites regionais e as
pessoas de todas as partes passaram a ouvir falar no conhecido “Rei do
Cangaço”. Mas para o público dos grandes centros terem a oportunidade de
visualizarem a figura de Lampião e seu bando, em uma película cinematográfica,
no interior de uma confortável sala de projeção, era algo mais complicado.
Benjamim ao lado de Maria Bonita e Lampião
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Desde que o cinema chegou ao Brasil, em 8 de julho de 1896, com a inauguração de um “omniographo” na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, o seu desenvolvimento era cada vez mais intenso. Novas salas de exibição eram inauguradas pelo país afora, onde o público consumidor desejava através das imagens, tanto o entretenimento, quanto o conhecimento dos aspectos do imenso país.
Para uma pessoa de iniciativa e coragem, a ideia de filmar
Lampião e seu bando poderia gerar muita fama e dinheiro. Somente através da
iniciativa de um emigrante libanês, foi possível imagens do famoso cangaceiro e
do seu bando, sendo este o único registro cinematográfico desta controversa
figura.
Segundo o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (in
“Guerreiros do sol, 2ª edição”, págs. 313 a 317), seu nome completo era
Benjamin Abrahão Calil Botto, sendo originário do Líbano. Sua terra natal era
Zahle, uma cidade situada na parte central deste país, no chamado Vale do
Bekaa, próxima a cadeia de montanhas do Monte Líbano, em uma área extremamente
fértil para agricultura e onde até hoje predomina uma população cristã.
Para alguns estudiosos ele teria vindo para o Brasil em 1910
e para outros ele aqui chegou em 1915. A razão de sua saída seria a ideia de
buscar novas paragens para progredir na vida e deixar uma região então dominada
pelo Império Turco Otomano desde 1517. Outra teoria aponta que a vinda de
Abrahão seria uma fuga da convocação do exército que ocupava sua terra, para
combater na Primeira Guerra Mundial.
Nesta época a nação libanesa ainda não havia sido
oficialmente criada e os imigrantes que deixavam esta região e se dirigiam para
o Brasil, eram normalmente conhecidos como “Turcos” ou “Sírios”. Apenas em 1926
foi oficialmente criada à República do Líbano, por interesses dos franceses.
Quis o destino que Benjamin Abrahão viesse para Recife, onde
conseguiu um emprego de vendedor. Depois, impulsionado pelo espirito
aventureiro e senso de oportunidade, foi até a cidade de Juazeiro, no interior
do Ceará, onde conheceu o mítico e venerado líder religioso Padre Cícero Romão
Batista. Após os primeiros contatos com o homem considerado santo pelos romeiros
que afluíam de todos os lugares do Nordeste, o libanês passou a ser conhecido
na cidade como jornalista, secretário particular, fotógrafo e acompanhante do
“Padim Ciço”. Existe a versão que o libanês de fala enrolada conquistou o
coração do severo clérigo quando mentiu descaradamente ao afirmar ter nascido
em Belém, a cidade natal de Jesus Cristo.
Padre Cícero |
Para estas duas interessantes figuras este encontro foi
extremamente positivo. Para o eterno cura dos desvalidos do Cariri, a figura de
um secretário estrangeiro, nascido na terra de Jesus, certamente trazia
respeitabilidade junto a elite local e chamava a atenção dos milhares de
romeiros que vinham atrás de suas bênçãos. Já Benjamim sabia que o Padre Cícero
era um líder prestigiado, sendo um porto seguro em um país desconhecido, em
meio a uma Juazeiro em franco crescimento. Era bem melhor o calor de Juazeiro,
do que vestir um uniforme turco e levar um tiro dos ingleses na península de
Gallipoli.
Tudo indica que o imigrante se deu muito bem nas terras do
“Padim Ciço” e se entrosou perfeitamente com a sociedade local. Segundo o
jornal “Diário de Pernambuco”, edição de 27 de dezembro de 1936, ao apresentar o
“Sírio” Abrahão, o periódico informava que o imigrante teria fundado um jornal
chamado “O Cariri”.
Continua...
*Rostand Medeiros - Pesquisador e Escritor
Via - Seminário Cariri Cangaço
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