A uma semana da reunião do Copom, que sinaliza um aumento da
Selic, o professor de Economia da Unicamp, Pedro Rossi, avalia que uma decisão
nesse sentido seria “temerária”. Em entrevista ao Vermelho, ele calcula que os
juros, hoje, já consomem cerca de 10% da renda das famílias e 20% da
arrecadação do governo. O professor alerta que subir a taxa de juros
significará mais crise, mais desemprego e menos renda – um custo social elevado
que o Bacen parece disposto a pagar.
“Se o Banco Central aumentar juros será uma confirmação de
que ele não está nem aí para a recessão e para o desemprego. Deixará claro que
o seu compromisso único é com o mercado financeiro”, critica o professor.
A próxima reunião do Copom, que decide o patamar da taxa de
juros básicos da economia brasileira será realizada em 19 e 20 de janeiro. A
expectativa é de que vá haver um aumento 0,50 ponto percentual na Selic, o que
levará a taxa ao patamar de 14,75%, o mais alto desde julho de 2006. Tal
perspectiva tem sido rechaçada por economistas, empresários e trabalhadores,
que apontam o impacto negativo desta política monetária para o crescimento.
De acordo com Rossi, na atual situação da economia, não faz
sentido retomar a trajetória de alta da Selic. “Há uma recessão violenta, uma
velocidade alta de deterioração do mercado de trabalho. Todo mundo sabe que o
problema não é excesso de demanda. Aumentar juros significará mais desemprego e
menos salário”, aponta.
Ele destaca que, além do mais, subir a taxa de juros terá
pouco efeito para controlar preços, diante de uma inflação que está mais
relacionada a um choque cambial a aos preços administrados. “O BC parece estar
disposto a pagar, com um enorme custo social, um ou dois pontos percentuais de
inflação a menos. É uma decisão temerária”, condena.
Atendendo aos desejos do mercado
Ao analisar os interesses envolvidos na decisão sobre os
juros, Rossi revela a relação muitas vezes promíscua que existe entre a
autoridade monetária e o mercado financeiro, que finda por influenciar a
atuação do BC – sempre a favor do rentismo.
“No fundo, o problema é que o Banco Central é uma
instituição que responde às expectativas, para não dizer aos desejos, do
mercado. E os diretores do Banco Central muitos vêm do mercado e depois voltam
ao mercado, o que significa que há um conflito de interesses aí”, expõe.
De acordo com ele, “os juros funcionam como a boia de
salvação dos capitalistas em uma hora de crise”. Quer dizer, se a economia vai
mal, os juros são uma garantia de preservação da riqueza. “É um mecanismo de
concentração de renda e que tem provocado uma transferência de renda absurda”,
critica.
Conflito de classe
“Num cálculo que tenho aqui, os juros desviam em média hoje
cerca de 10% da renda das famílias e o equivalente a 20% da arrecadação do
governo. São valores que vão da população para o pagamento de juros aos bancos
e investidores que possuem títulos da dívida. Então é um mecanismo de
transferência de renda”, conclui.
E, quando o Banco Central aumenta os juros, há uma parcela
da sociedade – o topo da pirâmide – que comemora, porque vai ganhar mais.
“Então há um conflito de classes por trás das decisões de Copom. E quem sai
perdendo é sempre o trabalhador”, avalia.
Segundo ele, o Banco Central quer fazer o ajuste via mercado
de trabalho. “E o custo social disso é enorme”.
Desestímulo à indústria
Dados divulgados pelo IBGE, na última terça (11), mostram
que a produção industrial brasileira caiu 2,4% em novembro na comparação com
outubro, pior resultado desde dezembro de 2013. O número representa a sexta
queda mensal seguida, sequência inédita de perdas na série histórica, iniciada
em 2002.
De acordo com Rossi, a indústria vive hoje o efeito de anos
de uma política econômica equivocada e de falta de uma estratégia clara. Ele
cita ainda que o setor sofreu com a mudança no cenário internacional, com a
entrada da China e a crise de 2008.
“O Brasil foi sendo invadido por produtos chineses que
corroeram as cadeias produtivas industriais por dentro com aumento dos
componentes importados. A gente não soube conter isso. Não houve uma política
cambial e de juros, uma política industrial e comercial, de compras públicas,
que ajudassem a enfrentar isso. Não houve uma institucionalidade capaz de se
contrapor”, lamenta.
O professor ressalta ainda que a alta taxa de juros atual
torna-se um fator de desestímulo à atividade industrial. “Quando a taxa de
juros aumenta, eu só vou entrar em uma atividade industrial, se a expectativa
de lucro estiver acima disto, destes 14,25%, que não têm risco. Então é um
desestímulo”, aponta.
Nesse sentido, aumentar a Selic vai na contramão de qualquer
iniciativa para a retomada da indústria. Questionado sobre que medidas podem
ser adotadas para recuperar o setor, Rossi sugere justamente o contrário:
“baixar os juros é fundamental e manter uma política cambial de longo prazo,
que mantenha a taxa depreciada e com baixa volatilidade. Outra coisa é criar
uma institucionalidade”.
Segundo o professor, um país do tamanho do Brasil precisa de
empregos urbanos de qualidade, que o setor agrícola e os serviços não oferecem.
“Se a gente não tem uma estrutura produtiva diversificada, os empregos urbanos
serão de baixa qualidade, é a empregada doméstica, o camelô, etc. Então o
Brasil não pode ficar refém apenas da produção de bens primários”, reitera.
Uma agenda pró-crescimento
Para Rossi, ainda é difícil saber os rumos da economia neste
início de 2016. “Ainda é uma incógnita. A pergunta é se haverá uma retomada da
economia no segundo semestre. Para isso, precisa haver a retomada do
investimento público e privado, uma agenda pró-crescimento”, defende.
Na sua avaliação, após a mudança no comendo do Ministério da
fazenda, é preciso virar a página do ajuste. “Em 2015, só se falava em ajuste.
[O ex-ministro da Fazenda, Joaquim] Levy era muito ideológico e só pensava em
cortar gastos, enquanto a economia desabava. Essa política econômica fracassou.
A gestão Levy foi um fracasso. Ele não conseguiu dialogar com os setores da
sociedade e recuperar a economia”, critica.
Neste ano, ele espera que a política econômica tenha outra
agenda, pós-ajuste. “Agora, é preciso implementar uma agenda pró-crescimento,
recuperar o gasto público em setores essenciais, preservar gastos sociais,
focar em emprego e renda”, propõe.
De acordo com o economista, há sinais de que o novo titular
da fazenda, Nelson Barbosa, será mais flexível e travará diálogo com diversos
setores. Para ele, o governo tem dado alguns passos para destravar a economia,
como o acordo de leniência e a perspectiva de estímulo aos bancos públicos para
ampliação do crédito. “Mas ainda é pouco, é preciso medidas mais efetivas. É
preciso estimular a demanda, que despencou no último ano. O principal objetivo
da política econômica deveria ser estancar a queda da demanda. Para isso,
deve-se fazer uso da política fiscal”, sugere.
No final do ano passado, o governo federal editou medida
provisória para acelerar acordos de leniência com empresas investigadas em
casos de corrupção, de forma que elas não fiquem paralisadas, afetando a
economia do país – o que aconteceu em decorrência das investigações da Operação
Lava Jato. E nesse princípio de ano, o novo ministro da Fazenda afirmou que os
bancos públicos ajudarão a expandir a oferta de crédito na economia,
principalmente para o setor da construção civil.
Reservas, o colchão de segurança
Indagado sobre o quanto o Brasil está vulnerável às
turbulências no cenário internacional, Rossi lembra que, de a crise de 2008,
vivemos um cenário conturbado. Mas não acredita que haverá uma fuga de
capitais, provocada por aumento de juros em outros países.
“Os Estados Unidos ainda tentam se recuperar [da crise]. A
China está reorientando o seu modelo de desenvolvimento e deve ter outras
demandas. O cenário internacional é ainda complexo. Não acredito que vá haver
uma fuga de capitais do país, em decorrência de aumento da taxa de juros fora
do Brasil. Os Estados unidos irão aumentar os juros, mas em um processo
gradual, já Europa e Japão devem continuar com juros baixos por muito tempo, o
que garante fartura de financiamentos externos”, avalia.
O professor destaca ainda a importância das reservas
internacionais. E ressalta que a situação do país hoje é bem mais confortável
que em crises anteriores e há margem para investir no crescimento.
“No Brasil, as reservas internacionais são um colchão de segurança.
Na atual crise o país não precisou recorrer ao FMI, diferente do que aconteceu
em outros momentos, por causa das reservas. Não precisamos de recursos externos
para pagar dívidas públicas e isso garante uma certa margem de manobra para
desenhar uma estratégia de desenvolvimento. Nesse sentido, a situação hoje é
muito mais confortável. Então há espaço para montar uma estratégia de
crescimento”, conclui.
Via - Portal Vermelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário