Em 15 de fevereiro faz 51 anos que partiu o corpo de Nat
King Cole. Sei que é muito pouco o que alinhavo a seguir. Mas a gente faz o que
pode.
"Fora do romance, para mim, Nat King Cole foi um dos melhores cantores de música popular" |
Por Urariano Mota*
No romance O Filho Renegado de Deus, eu já havia observado:
“Aquelas canções, se não eram a pátria do socialismo, a
terra prometida da fraternidade, eram de um reino onde cabiam todos os humanos,
sem data na sua data, de raça mas sem raça, americana mas sem americano, vale
dizer, a música que nascida naquela podre sociedade e tempo não era só daquela
sociedade e tempo. Pois o que, recordava, podia superar a voz de Nat King Cole
em Blue Gardenia ou Stardust? Ali ninguém precisava falar inglês, ali eram
todas as línguas, todas as pátrias, todas as cores, do arregalado olho negro ao
apertado amarelo “
Fora do romance, para mim, Nat King Cole foi um dos melhores
cantores de música popular. Não digo o melhor porque me acompanho todos os dias
agora, me abrigo e me fortaleço na voz amadíssima de Ella Fitzgerald. Então,
que ele seja um dos melhores. Parece mentira, mas Nat King Cole era tão bom
intérprete, que cantava em espanhol e português sem saber uma só palavra,
somente pela reprodução dos sons da língua. Foi com ele, e a sua voz, que o
recifense Antônio Maria ganhou fama mundial com a música Ninguém me Ama. Lembro
sem consulta um disco em espanhol em que ele nos encanta com Cachito e aquela
canção cheia de graça chamada Adelita, que um amigo gaúcho uma vez me contou
ser a preferida em sua cidade, em Sarandi, no interior do Rio Grande do Sul.
Toda uma geração, minha, dos meus amigos, ficávamos
hipnotizados por Nat King Cole nos cinemas de subúrbio, no Olympia ou no Cine
Império. Antes do filme começar, a sua entonação, voz, afinação e música eram
tão boas, que a gente nem se lembrava muito da hora do filme, na matinê dos
domingos. Nesta manhã em que escrevo me chega a voz de Nat King Cole cantando
como naqueles anos, na tela do Cine Olímpia, do Cinema Império. Ouço Nat
arremedando o espanhol “adios, mariquita linda”
Então não sabíamos que aquele era um dos melhores cantores
do mundo. Pensávamos que fosse somente o maior
do subúrbio de Água Fria. Depois, na maturidade, Nat reconquistou todos
os seus direitos de cidadão e grande artista, quando sobre ele peguei um
documentário na Classic Vídeo, lá na Torre. No filme, Harry Belafonte e Frank
Sinatra falavam dele coisas que eu não percebia, por ser leigo. Por exemplo,
Sinatra contava que não havia no mundo quem pusesse a voz no começo e no meio
de uma canção como Nat. Isso queria dizer: como Nat King Cole era também exímio
pianista, ele punha a voz como um novo acorde do piano, no começo ou durante, e
a canção não sofria descontinuidade.
Era uma harmonia só.
Nesse documentário pude ver coisas tristes também, como o
golpe baixo que o gênio da música sofreu ao morar em um bairro branco, único
negro no lugar, e teve seu cachorro de estimação morto pelos racistas. Então,
agora, procuramos um derivativo, como se a voz de Nat King Cole fosse uma
solução, como se a sua interpretação e voz resolvessem o insolúvel, porque
podemos todos ter um amargo que se torna suave.
Como em Blue Gardenia, aqui.
“Blue
Gardenia
Now blue
I'm alone with you
And I am oh
so blue
She has
tossed us aside
And like
you, gardenia
Once I was
near her heart
After the
teardrops start
Where are
teardrops to hide
I lived for
an hour
What more
can I tell
Love
bloomed like a flower
Then the
petals fell
Blue gardenia”
Fica dele, acima do crime do racismo, como uma superação da
escória humana, a sua divina interpretação em Stardust, que para mim antecipa o
que pode ser o homem, no magnífico da sua bondade.
Ouça:
*Urariano Mota é jornalista, escritor e colunista da Rádio
Vermelho.
Via Portal Vermelho
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