Há cerca de 50 anos, o Aedes aegypti iniciava um processo de transição de mosquito selvagem para urbano. Originário do Egito, o mosquito se dispersou pelo mundo a partir da África: primeiro para as Américas e, em seguida, para a Ásia.
Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil
As teorias mais aceitas indicam que o Aedes tenha se
disseminado para o continente americano por meio de embarcações que aportaram
no Brasil para o tráfico de negros escravizados. Registros apontam a presença
do vetor em Curitiba, no final do século 19, e em Niterói (RJ), no início do
século 20.
Ao chegar às cidades, o Aedes passou a ser o responsável por
surtos de febre amarela e dengue. A partir de meados dos anos 1990, com a
classificação da dengue como doença endêmica, passou a estar em evidência todos
os anos, principalmente no verão, época mais favorável à reprodução do
mosquito.
A infecção se dá pela fêmea, que suga sangue para produzir
ovos. Uma vez infectado, o mosquito transmite o vírus por meio de novas
picadas. Atualmente, o inseto transmite, pelo mesmo processo, febre chikungunya
e zika.
Em entrevista à Agência Brasil, o epidemiologista e
secretário-geral da Sociedade Brasileira de Dengue e Arbovirose, Luciano
Pamplona, disse que o Aedes aegypti já pode ser considerado um mosquito doméstico.
“Ele é praticamente um bichinho de estimação”, disse Pamplona, que também é
professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Dados do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti
(LIRAa), do Ministério da Saúde, apontam que, no Nordeste, o principal tipo de
criadouro do mosquito são tonéis e caixas d’água. Nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste, o depósito domiciliar, categoria em que se enquadram vasos de
plantas e garrafas, predomina como criadouro do vetor. No Norte e no Sul, a
maior parte dos criadouros do mosquito está no lixo.
Confira abaixo a entrevista com o especialista:
Agência Brasil: O Aedes aegypti se adaptou ao longo dos
anos?
Luciano Pamplona: Com certeza. Registros de 40 ou 50 anos
atrás indicam que, naquela época, ele estava se tornando um mosquito urbano.
Essa transição aconteceu de forma bastante acelerada. Hoje, ele é um mosquito
doméstico, totalmente adaptado aos nossos hábitos domiciliares. A principal
prova disso é o mapa com os principais criadouros do país. Em torno de 80% a
90% dos focos do vetor estão dentro das casas das pessoas.
Agência Brasil: O Aedes já se reproduz em água suja e não
mais apenas em água limpa?
Pamplona: O que é água limpa pra você? Para o mosquito, é
apenas uma água que não tem matéria orgânica em decomposição e que não está
turva. Isso basta. Em uma fossa, por exemplo, quando o sedimento desce, a água
se torna limpa para ele. Por isso, a definição de água limpa para o mosquito é
muito relativa. E mais: se não houver um recipiente com água limpa, ele procura
a menos limpa, até chegar ao esgoto. Tudo pode se transformar em foco.
Agência Brasil: Qual o ambiente considerado ideal pelo Aedes
para se reproduzir?
Pamplona: Muita gente acha que a fêmea do mosquito coloca o
ovo na água, mas, na verdade, ela coloca na parede dos depósitos. Ela precisa
que o recipiente tenha paredes. Por isso, não pode colocar ovos em rios, por
exemplo. O fato de a água estar parada ou não influencia pouco. Mas a fêmea tem
sim preferência por água parada, locais mais escuros, paredes porosas que fixem
melhor os ovos e pouco movimento. São esses os depósitos predominantes para o
mosquito.
Agência Brasil: É verdade que o Aedes já consegue chegar a
alturas mais elevadas?
Pamplona: Quem mora em apartamento chega em casa de que
forma? Pelo elevador. E o mosquito faz isso da mesma maneira que nós. Na
prática, o fato de não voar grandes altitudes não impossibilita que ele chegue
até locais mais altos. Como nós, ele também sobe de elevador, anda de carro,
viaja de avião. O mosquito se locomove utilizando os mesmos mecanismos que a
gente. Onde a gente vai, ele vai atrás.
Agência Brasil: O Aedes é capaz de espalhar o vírus Zika de
forma mais rápida que a já conhecida dengue?
Pamplona: Vivemos um momento de muita especulação. Sabe-se
pouca coisa sobre o Zika. É uma doença que de pouquíssima gravidade e que, em
80% dos casos, não causa nenhum sintoma. As três pessoas que morreram por Zika
podem ter fatores associados e que provavelmente contribuíram para o óbito. No
caso da dengue, temos mais de 800 pessoas morrendo por ano no Brasil. O fato é
que ainda temos muito mais perguntas que respostas. Creio que vamos demorar um
bom tempo estudando o vírus Zika.
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