A pressão das ruas e a reação dos artistas e intelectuais
deram o tom para a defesa da presidenta Dilma Rousseff feita na comissão do
impeachment nesta segunda-feira (4). O advogado-geral da União, José Eduardo
Cardozo, desmontou a tese golpista que tramita na Câmara e ainda apontou os
motivos da abertura: foi por vingança do presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
porque o governo não impediu a instalação do processo que investiga o
peemedebista no Conselho de Ética.
Ainda que a polarização política tenha contaminado as
instituições, a história recente do país, marcada pela ditadura militar,
torturas, perseguições e assassinatos, nos ensinou que a democracia é o melhor
caminho. Esse consciente popular, somada à reação firme e organizada das forças
progressistas, criaram uma trincheira poderosa em defesa da democracia.
Os grandes meios de comunicação, que diuturnamente atuaram
para dizer que, mesmo sem crime de responsabilidade, impeachment era legal, e
não um golpe, saem mais uma vez derrotados.
Cardozo evidenciou que se o pedido aceito por Cunha fosse
aprovado seria uma clara violação constitucional. “Onde está o ilícito?”, Onde
está a má fé?", questionou o ministro.
Primeiro
O primeiro ponto apontado por Cardozo foi as chamadas
"pedaladas fiscais ", que os golpistas de plantão argumentam que foi
uma prática irregular de crédito. Além de demonstrar que se tratam de despesas
de programas sociais, Cardozo ressaltou que elas foram realizadas por meio de
uma conta suprimento na Caixa Econômica, com resultados variáveis conforme os
gastos mensais.
A presidenta Dilma, durante entrega de casas do programa
Minha Casa Minha Vida, na semana passada, também havia detalhado essa questão, apontando
que quando as despesas eram maiores que os depósitos, o Tesouro pagava juros.
Quando eram menores, a Caixa pagava. No caso das despesas de 2015, os gastos
com programas sociais geravam juros positivos para o Tesouro.
"Empréstimo é empréstimo, subvenção é subvenção. Quando
eu contrato alguém e não faço o pagamento, eu não estou tomando dinheiro
emprestado. É como quando tenho um empregado e não pago o salário. Isso
significa que estou em atraso com o pagamento, posso estar inadimplente, mas
empréstimo dele para você não há. Porque empréstimo exige repasse e o não
pagamento não é empréstimo", afirmou.
Segundo
O segundo ponto demolido pela defesa da presidenta, diz
respeito aos decretos assinados por ela que liberam créditos extraordinários
sem consentimento do Congresso. Cardozo destacou que esses créditos não
alteraram a meta fiscal e que existe "farta jurisprudência" dessa
prática feita por outros governos também.
"A simples alteração do crédito não significa ofensa a
nenhuma meta fiscal estabelecida, ou seja, não há nenhuma ilegalidade a ser
imputada pela presidente da República", afirmou. O ministro acentuou que
"todos os governos praticam isso", porque os tribunais de contas
aceitam a prática e desafiou prefeitos e governadores a alegarem o contrário.
Sendo didático, Cardozo citou como exemplo uma lista de compras
para a feira em que se decide, durante a compra, alterar a lista de produtos
que serão adquiridas -- sem modificar o saldo final. Segundo ele, essa
alteração acontece em qualquer governo e sempre foi autorizada pelo TCU e, no
caso de Dilma, só eram assinadas depois de aprovadas por duas dezenas de
técnicos de várias assessorias.
Terceiro
Demolida a tese técnica, Cardozo derrubou a tese política.
Destacou que a diferença entre o sistema presidencialista, adotado no Brasil, e
o parlamentarista é que no parlamentarismo, o governo pode ser destituído por
decisão do Parlamento, enquanto no regime presidencialista há garantias de
estabilidade ao presidente da República, que exerce tanto a chefia de Estado
quanto de governo.
“Os regimes parlamentaristas ou mistos têm mecanismos de
controle primário entre Executivo e Legislativo. Há prerrogativa do chefe de
estado de dissolver o parlamento. E o Parlamento pode destituir o governo. No
presidencialismo, há uma fusão entre quem é chefe de estado e chefe de governo,
que é o presidente. Por isso a ordem constitucional, ao contrário do que ocorre
no sistema parlamentarista, dá uma série de garantias e estabilidades ao
presidente”, disse Cardozo, enfatizando que não se afasta “politicamente um
presidente eleito”.
Cardozo afirmou que um processo de impeachment precisa
apontar crime de responsabilidade pelo presidente e este deve ser com dolo, ou
seja, com intenção de cometer crime. Caso contrário, trata-se de um “golpe de
Estado”.
“Se esses pressupostos não forem atendidos, se não houver
ato imputado ao presidente, se não for justificado, a tentativa de impeachment
é golpe de Estado, sim. O mundo atual não tem assistido mais a golpes
militares. Por isso, se buscam discursos retóricos para se justificar a
violência. Golpe com ruptura da Constituição ofende o estado democrático de
direito [...] que será mal visto internacionalmente, trará insegurança jurídica
e incertezas institucionais”, disse.
E acrescentou: “O impeachment que rasgue a Constituição traz
duas graves consequências: a primeira é a ruptura com a institucionalidade; a
segunda é fazer nascer um novo governo sem legitimidade. Pouco importa os
homens que vierem a assumir, se são probos ou não, mas se a Constituição foi
rasgada, não há legitimidade para o governo”.
Quarto e derradeiro
O quarto, e talvez o mais importante, ponto da defesa
apresentado por Cardozo foram os motivos que levaram o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha a aceitar o pedido de impeachment.
“Conforme fartamente documentado pela imprensa, a decisão do
presidente Eduardo Cunha não visou o cumprimento da Constituição. Os fatos
ficaram claros. A sua excelência senhor Eduardo Cunha usou da sua competência
para fazer uma vingança e retaliação à chefe do Executivo porque esta se
recusava a garantir no Conselho de Ética os votos que seu partido poderia lhe
dar para que não fosse processado", salientou.
Cardozo enfatizou que os fatos demonstram que o Brasil está
“a mercê de um chantagista” e que a presidenta recusou a ceder às chantagens,
por isso tem o seu mandato atacado.
“Dilma se recusou a fazer gestões junto aos deputados do PT.
Um governo que se curva a esse tipo de situações não tem legitimidade para
governar”, concluiu.
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