Se o impeachment estivesse submetido a um debate responsável
pela Câmara de Deputados, a discussão teria tomado um outro rumo no final da
tarde de anteontem [4], quando José Eduardo Cardozo terminou uma intervenção de uma
hora e 50 minutos na qual fez a defesa de Dilma Rousseff.
Você pode achar que a palavra de Cardozo, Advogado Geral da
União depois de ter passado os últimos cinco anos como Ministro da Justiça deve
ser colocada sob suspeita em função dos cargos que ocupou. Pode estar
convencido de que estamos diante de um espetáculo cínico, onde todas as
mentiras se equivalem, todos os personagens são farsantes e todas as
explicações não passam de pura fraude. A verdade não é esta.
Por mais baixa que seja a credibilidade dos personagens
envolvidos, o debate sobre impeachment envolve a apresentação de provas de
crime de responsabilidade contra a presidente. Caso elas existam, é mais do que
razoável que a Câmara encaminhe ao plenário um voto favorável a abertura de um
pedido de investigação sobre a presidente. Caso contrário, o pedido deve ser
arquivado e ponto final.
"Onde está o ilícito?", perguntou Cardozo, mais de
uma vez, em seu depoimento. "Onde está a má fé?"
As questões fazem sentido depois que o AGU sustentou um
ponto importante. Não é que faltem provas para sustentar uma denúncia de crime.
O problema é anterior. A denúncia sequer conseguiu definir um crime para ser
provado, demonstrou Cardozo.
Ele mostrou que a denuncia das chamadas "pedaladas
fiscais " como uma prática irregular de crédito deixam de fazer sentido
quando se considera que envolviam despesas de programas sociais eram realizadas
através de uma conta suprimento na Caixa Econômica, com resultados variáveis
conforme os gastos mensais. Quando as despesas eram maiores que os depósitos, o
Tesouro pagava juros. Quando eram menores, a Caixa pagava. Cardozo lembrou que,
ao final de cada exercício, observou-se uma surpresa: com impressionante
regularidade, os gastos com programas sociais geravam juros positivos para o
Tesouro. É verdade, ainda que tenha evitado mostrar números. Se o tivesse
feito, teria lembrado dados impressionantes, que já publiquei uma vez neste
espaço, em outubro do ano passado. Exemplos:
2011 .... R$ 241.578.128,64
2012 .... R$ 188.371.711,48
2013 .... R$100.580. 459,23
2014 .... R$ 141.692.598,98
O outro ponto considerado na denúncia - e que cabia
responder na Comissão - envolvia os créditos suplementares. A acusação era que
o governo havia feito despesas sem autorização, o que seria proibido pela Lei
de Responsabilidade. O problema, demonstrou Cardozo, é que os créditos
suplementares não implicam em elevação de despesas do governo, pois não passam
da realocação de recursos dentro do orçamento de um mesmo ministério. Num
exemplo didático, lembrou que é a mesma situação do sujeito que faz a lista de
compras para a feira e, no meio do caminho, decide alterar a lista de
mercadorias que serão adquiridas - sem modificar o saldo final.
Ele também esclareceu que esse tipo de alteração,
corriqueira em qualquer governo, sempre foi autorizada pelo TCU e, no caso de
Dilma, só eram assinadas depois de aprovadas por duas dezenas de técnicos de
várias assessorias. Conforme a jurisprudência brasileira, estes cuidados
prévios impedem que a chefe de governo venha ser acusada por esses gastos -
mesmo que, por ventura, eles venham a ser considerados ilegais, o que nunca foi
o caso.
Este cuidado permitiu a Cardozo lembrar a verdade mais
importante sobre o impeachment. Não se trata de um processo com bases jurídicas
sólidas, mas uma operação política rasteira e unilateral, pequena, embora de
consequências gigantescas para o país, que só foi iniciado pelo suíço Eduardo
Cunha depois de ter ficado claro que o Partido dos Trabalhadores não iria lhe
fornecer os três votos que necessitava para livrar-se de uma investigação que
pode cassar seu mandato.
A insistência de Cardozo na crítica a Eduardo Cunha tem um
motivo didático - e talvez seja a razão mais importante para se mostrar o
absurdo da tentativa de cassar a presidente. Ajuda o país a recordar que o
debate sobre o impeachment é uma manobra artificial, contra uma presidente cuja
honestidade não se coloca em dúvida. Sua utilidade real não envolve punir um
único gatuno de Brasília. Apenas acoberta um político comprovadamente envolvido
em práticas de corrupção, que operou uma barganha indecente a vista de todos: a
condenação de uma presidente inocente, mas detestada pela mídia grande, em
troca de eventuais benefícios em seu próprio processo. Por que isso ocorre?
Porque interessa a oposição e aos adversários do governo.
"Onde está o ilícito? Onde está a má fé?"
Não é difícil responder.
* Jornalista e escritor. É diretor do Brasil 247 em
Brasília, após ter passado pelas redações de jornais e revistas de renome.
Via – Portal Vermelho
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