A frenética marcha golpista acometeu o país de grave
instabilidade política, prejudicando a normalidade econômica, compelindo um
processo fraudulento de impedimento da presidenta Dilma Rousseff.
O desejo dos golpistas resulta em simplesmente rasgar a
Constituição da República, contando com todas as suas vertentes à direita, por
meio de um impeachment exclusivamente político, para dar vazão aos seus
interesses mais profundos, que se concretizam na destituição da presidenta da
República. Esse é o novo formato de golpe dos nossos dias.
O essencial não é a via utilizada: por meio das armas como
antes, ou através da via parlamentar-judicial-midiática, como pretendem hoje. A
questão essencial, incontornável, é que, tanto num caso como noutro, trata-se
de um golpe de Estado, por se provocar e querer perpetrar a ruptura da
legalidade constitucional para tomada do poder.
Não adianta delirar, deblaterar, o processo de impeachment
em curso é ilegítimo, é golpe, com todas as letras. O governo que surja através
deste expediente esdrúxulo já nasce marcado pelo pecado-original da exceção em
contraposição ao Estado Democrático de Direito. Este é o veredicto hoje e será
sempre mais afirmado na história do Brasil.
Semelhante a uma maré crescente a opinião pública, o
pensamento jurídico independente e de maior prestigio, milhares de docentes e
pesquisadores das universidades, um número crescente de artistas renomados
prelados da igreja católica e ministros das igrejas protestantes e evangélicas
e todo movimento social organizado e inúmeros setores da sociedade civil
entenderam que a tentativa de impeachment da presidenta Dilma Rousseff é um
golpe. E mesmo os que não sendo apoiadores do governo se levantam pela causa
maior em defesa da democracia e da legalidade constitucional. Essa tendência se
fortalece, em um crescendo do movimento não-vai-ter-golpe.
O Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, que pediu o
arquivamento do pedido de impeachment em seu pronunciamento na defesa da
presidenta da República, na Comissão Especial do Impeachment, foi didático e
enfático: no sistema presidencialista o impeachment só é cabível numa situação
de extrema excepcionalidade, segundo a Constituição de 1988; se for baseado em
pressupostos que impliquem diretamente o presidente da República em um
“atentado à Constituição”, por uma ação dolosa e tipificada praticada por ele
mesmo. Sem isso não há como imputar crime de responsabilidade ao presidente.
Além desses fundamentos há um agravante no caso do impeachment contra a
presidenta Dilma Rousseff, no qual o presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
cometeu o vício de desvio de poder, ou de finalidade, aceitando o pedido de
impeachment por mera e explícita retaliação à presidenta da República, sem
verificação normal dos pressupostos constitucionais.
Mais especificamente, em consequência, o impeachment tem à
sua frente o vice-presidente da República, Michel Temer, que assumiria a
presidência da República na situação de consumação do impedimento, em estreita
aliança com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, réu em
processo acusatório no STF. Agora, em decisão do ministro Marco Aurélio Mello,
o STF ordena ao presidente da Câmara — baseada nos mesmos motivos que deu curso
ao pedido de impedimento da presidenta Dilma — desarquivar e dar prosseguimento
também ao pedido de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer.
Nesse cenário mais intricado que reflete, em verdade, a
deformação e o extremismo dessa operação golpista em adiantado curso, o mais
significativo é assinalar que, gradativamente o impeachment cuja alternativa é
Michel Temer, em aliança principal com os tucanos, vai se esvaindo. Isso é
consequência da precipitação e irracionalidade do PMDB e suas decorrências, em
apressar o seu “desembarque” do governo – de fato, um tiro no pé. Esse
desembarque era anunciado em manchetes espetaculares da mídia golpista como o
fim do governo Dilma. Já dividiam até ministérios de um “futuro governo Temer”.
Entretanto, o que resultou mesmo é em maior divisão no seio do PMDB.
A reunião do Diretório Nacional do PMDB, sem a presença de
seus lideres principais, realizada em apenas três minutos, por aclamação,
declarou seu afastamento do governo Dilma, resplandecendo em grande foto como
figura proeminente desse desiderato, o deputado Eduardo Cunha – a montanha
pariu um ratão.
A repercussão em resposta ao que se via se estendeu desde o
espanto do ministro do STF, Roberto Barroso, até às camadas favoráveis ao
impeachment, que se deram conta de qual seria a alternativa à derrubada da
presidenta – uma mistura de insurgentes, que se beneficiaria do atalho ao
poder, para preservarem a própria pele.
O PSDB, na confusão de suas frações, começou a limitar seu
apoio a um pretenso governo Temer. Reaparecem tentativas de levar o impeachment
para a esfera do TSE. E ressurge a ideia dos que decepcionados, apesar de
inflarem tal situação, conclamarem agora que, “nem Dilma nem Temer”, exigindo o
batido refrão da renúncia da presidenta e, mais, também do vice-presidente. E
se reapresenta a ideia “salvadora” de antecipação das eleições gerais para
outubro deste ano. Tudo isso dá mostras de que o impeachment com Temer
encabeçando o pretendido “novo governo” subiu no telhado.
A Operação Lava Jato vai se desnudando na sua conjunção com
a marcha do impeachment, expressando sua ação seletiva e persecutória, visando
objetivos políticos. Estende-se a visão de que a Lava Jato se tornou uma
operação político-judiciária, em conluio com a mídia grande. É indisfarçável a
sua cassada a Lula, ao PT e intimidação da esquerda. Uma janela se abre:
começou o enquadramento do juiz Sergio Moro pelo ministro do STF, Teori
Zavascki, pelo menos coibindo sua prática justiceira sem limites e as
exorbitâncias da Lava Jato. Aliás, crescem as evidências das arbitrariedades
que podem ensejar as condições até para anulação da onipotente operação
lava-jatiana.
A realidade da força democrática gradativamente vai se
impondo. Não vão vingar possivelmente as tentativas desesperadas, aventureiras
ou dos simplesmente desiludidos. Ainda é o leito firme da legalidade
constitucional o caminho justo e seguro para a saída do impasse político. Essa
situação já instiga um número maior de deputados a rejeitar o impeachment. Um
suposto governo Temer que trouxesse a estabilidade é uma quimera, cada vez mais
nítida.
Percebe-se e ganha maior consciência que, para superar o
impasse, o caminho viável é barrar o processo fraudulento e viciado do
impeachment, assim despontando nova realidade. No espocar dessa nova situação a
presidenta da República, por sua ação cada vez mais decidida e corajosa,
extraindo ensinamentos, reuniria condições para um grande acordo político,
contando com a liderança de quem mais pode unir forças neste momento – Luis
Inácio Lula da Silva. Assim, realizar
uma ampla repactuação, congregar uma base política e social referenciada num
plano de governo que possa concretizar uma saída para retomada do crescimento
com soberania, autonomia e sustentabilidade, que valorize a produção e o
trabalho, com distribuição de renda e redução das desigualdades e integração em
proveito mutuo com os vizinhos do continente e sustentação das alianças
estratégicas no plano internacional.
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