Transcorreu nesta sexta-feira, 27 de maio, o 14º aniversário
do falecimento do querido e inesquecível camarada João Amazonas. Que falta nos
faz!
Não sei se pela chegada dos anos, torno-me cada vez mais
emotivo e sinto falta, para além das coisas essenciais, também das prosaicas,
aquilo que aparentemente não tem importância, mas compõe o sal da vida.
Diariamente, tínhamos o hábito de conversar. E entre
discussões políticas e ideológicas, proseávamos – para além da política
cotidiana, do trabalho prático e da ideologia – sobre literatura e futebol.
Festejávamos o último livro de João Ubaldo, lembrávamos as distintas fases da
obra de Jorge Amado, comentávamos sobre seu conterrâneo Dalcídio Jurandir,
citávamos Graciliano, debatíamos sobre o sentido da obra do albanês Kadaré,
falávamos da importância de divulgar a obra de Jack London, e perdíamos horas
cogitando se era ou não justo dedicar espaço na seção cultural da Princípios a
Zhdanov. A escolha da gravura da capa, se de Fernand Leger, Mark Chagall, Diego
Rivera ou Pablo Picasso, ficava sempre pendente da invariavelmente acertada
opinião da sua companheira de sempre, a talentosa artista plástica, também
saudosa, Edíria Carneiro.
No futebol, nossa unidade era restrita ao Vasco e às acerbas
críticas à seleção do “Parreiras”, porquanto estávamos em posições antagônicas
em São Paulo – ele palmeirense, eu corintiano – e no Pará, sua terra natal que
de alguma maneira se tornou o meu segundo estado – ele remista, eu Paissandu.
Mas voltemos às questões essenciais. Além do preito de
saudade, eterna saudade, porque tive no João, além de um dirigente, um amigo,
conselheiro e condutor, quero destacar “apenas” o sentido do momento histórico
que tinha e sua implacável análise sobre as classes dominantes brasileiras.
Sua experiência e o conhecimento acumulado da leitura do
marxismo-leninismo e da história do Brasil deram-lhe a compreensão da
encruzilhada histórica em que se encontrava o país nos idos da Nova República
(1985-1989), fenômeno que se repetia com conteúdo e formas novos nos diferentes
ciclos da vida política brasileira. Em 1930, porque fizéramos uma parcial e
insuficiente revolução burguesa, que não enfrentou os problemas de fundo da
sociedade de então. Em 1945-1954, porque ao influxo democrático e patriótico da
vitória contra o nazi-fascismo sobrepôs-se a ofensiva antinacional e
antipopular das classes dominantes e do imperialismo, prelúdio da ditadura
militar que se instauraria dez anos depois.
Na Nova República, superada a ditadura militar, tarefas
democráticas de novo nível passaram à ordem do dia, a questão social era
emergente e a questão nacional, exigência para enfrentar a nova ordem mundial
sob a égide do imperialismo. Nenhuma dessas questões foi enfrentada em sério nem
a fundo.
Quando o chamado “centrão” sequestrou a Constituinte, a
acuidade do João constatou a morte do centro democrático nas condições
peculiares daquela conjuntura. Noção que reafirmou diante da vitória eleitoral
de Fernando Collor, em 1989, e da ampla frente de direita e centro-direita que
garantiu os oito anos de mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um
dos governos mais ruinosos e entreguistas de toda a história republicana.
Perante a encruzilhada histórica, propôs a ruptura
revolucionária e – com toda a amplitude e flexibilidade tática – preconizou a
radicalidade estratégica, que fundamentou a elaboração do Programa Socialista
(8ª Conferência, 1995 e 9º Congresso, 1997).
Nesse Programa, João inscreveu sua sentença sobre a formação
social brasileira e as classes dominantes: “O desenvolvimento deformado da
economia nacional, o atraso, a subordinação aos monopólios estrangeiros e, em
consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda são o
resultado inevitável da direção e do comando do país pelas classes dominantes
conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos
monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos
que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os
responsáveis diretos pela grave situação que vive o país. Gradativamente,
separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As
instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução
normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade
democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não
exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi
construído todo o arcabouço do seu domínio”.
Percebendo que a luta democrática e patriótica pelo
desenvolvimento nacional, a soberania nacional, em defesa da nação ameaçada
pela voragem neoliberal, era no fundo um aspecto da luta de classes,
inseparável da luta pelo socialismo na fase peculiar que o Brasil vivia,
Amazonas era taxativo em suas conclusões acerca da evolução desse combate. No
mesmo documento, o Programa Socialista, dizia: “Tais classes não podem mudar o
quadro da situação do capitalismo dependente e deformado. Sob a direção da
burguesia e de seus parceiros, o Brasil não tem possibilidade de construir uma
economia própria, de alcançar o progresso político, social e cultural
característicos de um país verdadeiramente independente. Na encruzilhada
histórica em que se encontra o Brasil, somente o socialismo científico, tendo
por base a classe operária, os trabalhadores da cidade e do campo, os setores
progressistas da sociedade, pode abrir um novo caminho de independência,
liberdade, progresso, cultura e bem-estar para o povo, um futuro promissor à
nossa Pátria”.
O enfrentamento a essas classes e ao imperialismo exigem
ampla e profunda luta política de massas, estratégia e tática, unidade das
forças democráticas e populares e a existência de uma vanguarda consciente e
enraizada nos trabalhadores, um partido comunista com tirocínio político e
densidade teórica e ideológica. Estes eram os temas que diuturnamente ocupavam
a agenda de trabalho do camarada João. Estas são ainda as tarefas dos que o
sucedemos.
*José Reinaldo de Carvalho é jornalista, editor de
Resistência, secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB
Fonte: blog
Resistência
Via – Portal Vermelho
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