Por causa do golpe, o Brasil se converteu, aos olhos do
mundo, numa espécie de grande Honduras. Um país sem instituições democráticas
sólidas, instável, sujeitos a golpes de todos os tipos. Uma típica e caricata
república de bananas.
Graças ao golpe, o Brasil se converteu em motivo de chacota
em todo o mundo. Nunca a imagem do nosso país esteve tão baixa. Até mesmo
jornais conservadores, como o New York Times, fazem editoriais condenando o
golpe e afirmam o óbvio: a destituição de Dilma Rousseff piorará a crise
política brasileira. Já a nossa mídia plutocrática e bananeira dedica-se, agora
com vocação para grande partido da situação, a ocultar o óbvio e a defender o
indefensável.
Por sua vez, a reação do governo golpista relativa à imagem
internacional negativa do golpe é previsível. Já começaram de novo a falar
grosso com países como Bolívia e El Salvador, mas preparam-se para falar
fininho, bem fininho, com países como os EUA, em negociações comerciais
assimétricas.
Agora, o circo de horrores legislativo da sessão da Câmara
do dia 17 abril foi substituído pelo circo de horrores executivo de um
ministério composto exclusivamente por homens brancos, quase todos acusados de
alguma irregularidade, a exalar misoginia, racismo, incompetência técnica e
conservadorismo extremo.
A extinção do Ministério da Cultura, uma conquista da jovem
democracia brasileira, e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial da
Juventude e dos Direitos Humanos completa o quadro tenebroso e simbólico dos
retrocessos democráticos. A nomeação de um Ministro da Justiça especializado na
repressão a estudantes e movimentos sociais desnuda a intenção de lidar com
reivindicações legítimas com o uso ilegítimo da força bruta. Já a extinção da
CGU demonstra o grau de compromisso do governo golpista com o combate à
corrupção.
Mas isso foi apenas o começo. Vem aí o grande circo de
horrores do programa do golpe. Muito maior e ainda mais horrendo. Vai eclipsar,
com folga, o circo de horrores do golpe em si.
Como já havia mencionado em artigos anteriores, o programa
do golpe, a “Pinguela para o Passado”, destina-se a acabar, mediante um só
golpe (o trocadilho é intencional), com o legado social de Lula, de Ulysses
Guimarães e de Getúlio Vargas.
Com efeito, não se trata somente acabar com ou reduzir
drasticamente os legados sociais de Lula/Dilma, como os relativos ao Bolsa
Família, ao Mais Médicos, ao Minha Casa Minha Vida, ao Prouni, ao Fies ou a
política de valorização do salário mínimo. Não se trata somente de voltar ao
status quo ante do neoliberalismo que vigia na época do tucanato. É muito pior.
A ideia aqui é desconstruir toda uma arquitetura histórica de direitos sociais
e mecanismos econômicos que, bem ou mal, apontam para a criação de um
capitalismo minimamente civilizado no país.
Assim, o golpe é também contra a Constituição Cidadã, ou
Constituição Social, de 1988. A tese dos golpistas é que os direitos sociais
assegurados na Carta Magna, como o da irredutibilidade dos salários, o do
salário mínimo real capaz de assegurar uma sobrevivência digna, saúde,
educação, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados,
etc. “não cabem no orçamento”. Daí a proposta de extinguir os mínimos
percentuais orçamentários que a Constituição prevê para serem investidos nessas
áreas sociais.
Os golpistas querem o “orçamento de base zero”, isto é, a
desvinculação de todas as receitas e gastos sociais existentes. Assim, não
haveria mais pisos constitucionais mínimos para saúde, educação e outras
despesas sociais. Também querem desvincular o salário mínimo das aposentadorias
pensões e outros benefícios previdenciários.
A Constituição Cidadã seria, dessa forma, substituída por
uma Constituição Empresária, que asseguraria a realização de superávits
primários, o pagamento aos rentistas e taxas de lucro que “estimulariam a
retomada do crescimento”.
Em suma, os golpistas querem repor a nossa triste tradição
histórica de colocar nas costas dos trabalhadores o custo da superação da
crise. Querem também a volta da desigualdade como fator que estimularia um novo
ciclo de crescimento concentrador e excludente, como o ocorrido na ditadura.
Querem até mesmo acabar com proteção trabalhista assegurada pela CLT de Getúlio
Vargas.
A “Pinguela para o Passado”, se implantada em todo seu
esplendor reacionário, vai nos reconduzir à República Velha, quando a questão
social era “caso de polícia”. Nesse sentido, o novo ministro da Justiça parece
ter sido escolhido a dedo.
Em interessante e reveladora atitude “sincericida”, Moreira
Franco já deixou claro que pretende focar o Bolsa Família nos 5% mais pobres, o
que excluiria do programa cerca de 30 milhões de pessoas.
Outra atitude “sincericida” foi a do novo Ministro da Saúde,
que declarou, com todas as letras, que o país não conseguirá mais sustentar os
direitos que a Constituição garante –como o acesso universal à saúde– e que
será preciso repensá-los.
Foi ainda mais sincero em seu exemplo do que precisa ser
feito no Brasil:
"Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que
cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as
obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de
sustentá-las".
Inacreditável. O novo ministro usou a Grécia, exemplo mais
bem-acabado das políticas de austericídio, do que não deve ser feito, para
apontar o caminho que o Brasil deve seguir.
Mais claro impossível. Além de nos transformar numa grande
Honduras, exemplo de desastre político, querem nos transformar também numa
grande Grécia, exemplo de desastre social e econômico.
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