Em artigo publicado no HuffPost Brasil, a fotógrafa e
estudante de arquitetura Thais Viyuela afirma que há um "sentimento de
impotência, de silenciamento, de retrocesso" entre as mulheres após o afastamento
de Dilma e o começo do governo do presidente interino Michel Temer. Ela diz que
Dilma entrou em um "ninho de cobras, um universo muito machista, sujo e
baixo" e jogou até o fim um jogo imposto por "homens brancos, para
homens brancos"
Para ela, "o sentimento é de que o ministeriado de
Temer dará prosseguimento ao jogo desses homens brancos, sujos, já velhos de
guerra". "Como não se vê há 37 anos, sem uma única ministra mulher
num país onde 51% da população é composta por mulheres", afirma Thais. Leia
a íntegra abaixo:
Do HuffPost Brasil
A política não veste saia
Democracia, substantivo feminino, passível de feminicídio
porque ousou vestir suas saias pela primeira vez."
A frase acima é de Maria Gabriela Saldanha.
Agora, entre as mulheres, paira um sentimento de morte.
É um sentimento de impotência, de silenciamento, de
retrocesso. Não falo em política ou economia. Um grupo grande de personagens e
circunstâncias é responsável por isso. Falo em representatividade.
Falo de uma mulher que entrou num ninho de cobras, num
universo muito machista, sujo e baixo, e jogou o jogo até o fim, um jogo
imposto por homens brancos, para homens brancos.
Ela, ao contrário de tudo que se espera de uma mulher, não
chorou, não se descontrolou, não fez escândalo, trabalhou de forma firme e
séria até agora. Ela não agiu "como uma menininha".
E isso assusta. Por falta de argumentos, os ataques e os
adjetivos ficaram ainda mais ofensivos.
Com histórico de perseguição política e tortura, ela não só
saiu viva, como saiu líder dos que a torturaram. Naquela época, Dilma tomou
tantos socos que tem problemas na arcada dentária até hoje. Suas sessões de
tortura precisaram ser suspensas porque ela teve uma hemorragia uterina que não
passava. Seu torturador, um homem acusado de enfiar ratos na vagina de
mulheres, foi aclamado publicamente em rede nacional. Apesar disso, se manteve
a postura ereta e silenciosa diante do circo do dia 17 de abril de 2016.
Ela jogou tão bem o jogo desses homens que o máximo que se
diz sobre Dilma é que ela estava andando de bicicleta no seu tempo livre. Não,
nem a roupa, nem algum gesto ou jargão no momento errado. De fato, emagreceu.
Quem, no lugar dela, não emagreceria? Fotos em posições desconcertantes para
qualquer ser humano não faltaram. Montagens desrespeitosas com o rosto dela
também não. Mas nenhum homem foi visto ao seu lado. Ela se manteve unicamente
por sua imagem, forte o suficiente.
O sentimento é de que o ministeriado de Temer dará
prosseguimento ao jogo desses homens brancos, sujos, já velhos de guerra. Uma
guerra construída por eles. Dessa vez, como não se vê há 37 anos, sem uma única
ministra mulher num país onde 51% da população é composta por mulheres. O
Ministério das Mulheres deixará de existir, como Temer já afirmou. Homem este
que exibe sua bela mulher à tiracolo, como mulheres devem se apresentar.
Quietas, no canto da foto presidencial. "Do lar", não da política,
nunca da vida pública.
Fácil dizer que o feminismo ou outros movimentos de minorias
roubam a cena das principais pautas da política do Brasil. E engraçado pensar
que na verdade a minoria é composta por homens, 49% da população, e brancos,
45,9% autodeclarados, que pisaram por séculos em mulheres brancas, indígenas e
negras pra conquistar o que lhes interessava. O feminismo rouba as pautas
estruturais do Brasil se você está inserido nas pautas desde os últimos 500
anos. Caso contrário, o feminismo exige apenas o que nos é de direito: a
representação. Com 51,6% dos votos nas urnas, a questão de representatividade
parece, na verdade, estar invertida. A minoria branca e misógina urra com a
perda de poder.
Não, não direi "Tchau, querida", a frase mais
nojenta dos últimos tempos. E não me venham com explicações. Sei que não sou a
única a sentir a ironia desse afeto, a intimidade nãoautorizada dessa frase, a
deslegitimação da figura pública de uma mulher através de um adjetivo de teor
íntimo e pessoal.
Deixo a imagem de Dilma e sua filha porque ela choca. Ela
incomoda. A filha Paula Rousseff e sua mãe, ao receber a faixa presidenta do
Brasil.
Não se vê ternos, gravatas ou cabelos brancos.
Apenas uma mãe e uma filha que não precisam da figura
masculina para estar onde estão.
Com essa imagem e diante de um cenário tão desesperador, a
única coisa que me vem à cabeça como um mote de esperança é que a revolução
será feminista, ou não será.
*Thais Viyuela é Estudante de arquitetura e fotógrafa
Via - Jornal GGN
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