Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa
frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e
capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista
colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na
Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.
Via - Portal Vermelho
Esse plano provocará desarranjo social, instabilidade,
fragilizará os trabalhadores e os mais pobres. Já sabemos disso. Mas o povo que
assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta.
Ouço algumas pessoas, ligadas aos movimentos sociais e a
partidos de esquerda, dizendo que esse quadro favorece uma reação imediata nas
ruas – para deslegitimar Temer. Minha impressão é de que, bem ao contrário,
Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de
prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que
necessita.
O que quero dizer? Que a narrativa buscada pelo governo
Temer será a de que “baderneiros” ligados ao PT buscam obstaculizar a nova
“unidade nacional”. As ações de rua da esquerda, quanto mais virulentas forem,
mais fornecerão a Temer o álibi de que necessita: “temos um inimigo, uma
quadrilha que foi desalojada do poder e que se recusa a aceitar a derrota”.
Essa será a narrativa. A Globo e suas sócias minoritárias no oligopólio
midiático saberão construir essa narrativa. Já começaram, aliás.
No Judiciário e no aparato de Estado, veremos ações de
repressão, intimidação, perseguição. Caminhamos para uma semi-democracia. Ou
uma quase-ditadura – no estilo colombiano: as instituições funcionam, mas a
esquerda e os movimentos populares organizados são expurgados.
Reparem que o secretário de Segurança de São Paulo,
Alexandre de Morais, cotado para ser Ministro da Justiça do governo golpista,
dá a senha: chamou de “ações guerrilheiras” os protestos desse dia 11 de maio.
Outros exemplos: a Policia Federal deteve um grupo de
mulheres pró-Dilma que se dirigia a Brasília porque elas se manifestaram dentro
do avião na viagem; e grupos fascistas invadiram escolas ocupadas no Rio para
expurgar a esquerda que ousa protestar contra o descalabro da educação
fluminense.
Isso é o que nos espera nos próximos meses. Um “choque de
ordem”, baseado em abusos de autoridade e fascismo social.
Risco de isolamento
Pensei muito se deveria escrever este texto, porque poderia
parecer uma nota de desânimo no momento em que é preciso resistir. Mas sinto-me
na obrigação de dizer o que vejo: nos próximos meses, a esquerda e os
democratas em geral ficarão minoritários. O maior risco que corremos é o de
isolamento social.
A mesma máquina midiática que criou a narrativa (vitoriosa,
pelo que vemos) de que uma organização criminosa tomou de assalto o país
passará, a partir de agora, a operar em outro diapasão: a “quadrilha” de
desordeiros não quer deixar o Brasil seguir seu curso.
Percebam que o 17 de abril (com a infame votação do “em nome
da minha família”, “em nome de deus”) foi o dia em que se mostrou – sem véu – a
ideologia hoje vitoriosa no Brasil. A ideologia da ordem. E essa narrativa foi
meticulosamente construída…
Em março de 2015, no estouro da boiada da direita, vocês se
lembram qual era a frase pronta repetida pelos repórteres da Globo ao cobrir as
manifestações: “milhares de famílias, em ordem, protestam contra o governo do
PT e contra a corrupção.”
Famílias em ordem x corrupção petista. Esse é o resumo da
ópera.
O próprio lulismo, como já ressaltado por André Singer,
opera dentro da ordem. Amplos setores que votaram em Lula e Dilma são
conservadores. Queriam (e querem) melhorias dentro da ordem, até porque a
liderança da classe trabalhadora lhes ofereceu esse programa.
Reparem que são relativamente pequenos os grupos que saíram
às ruas nos últimos dias (em atos que considero heróicos e necessários) para
denunciar o golpe Temer/Cunha/Globo/PSDB. Não há muita gente disposta a
enfrentar o golpe na rua em ações “radicais”. Por enquanto, esse é o quadro.
Há setores na esquerda que apostam nessa estratégia: atos
fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência. Temo que
esse tipo de ação esteja em completo desajuste com tudo que significou o
lulismo nos últimos 15 anos. E temo que esse tipo de ação possa aprofundar o
isolamento social da esquerda e dos movimentos sociais.
Será que a massa trabalhadora compreende essa sintaxe dos
pneus queimados e das estradas fechadas?
Estou longe de ter a resposta definitiva.
O que percebo é que MST, CUT e demais centrais sindicais, ao
lado de PT e PCdoB, são tudo que Temer e seus operadores da lei e da ordem
querem ver nas ruas nos próximos meses. Será fácil carimbar essas manifestações
como “desordens”, lançando esse povo no gueto dos “desesperados” e desalojados
do poder.
O que não quer dizer, evidentemente, que devam se ausentar
das ruas…
O melhor caminho para enfrentar o governo golpista, imagino
eu, é apostar em ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres.
Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora.
Ações pautadas em temas concretos, e que mostrem o que significará na vida
prática de cada um esse golpe à democracia.
Teremos que fazer isso e ao mesmo tempo ter energia e muita
solidariedade para enfrentar a onda de perseguições, difamações e violência que
se abaterá sobre todo o campo popular e democrático.
Serão dias difíceis, como sabemos.
E talvez a maior de todas dificuldades seja: como defender o
legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas
e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que
construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às
redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?
Faremos isso tudo em meio a uma grave crise da democracia,
com o discurso religioso e policialesco a dominar o cenário.
Qual papel de Dilma? E o de Lula?
Certamente são importantes, assim como o da Frente Brasil
Popular e dos partidos e sindicatos. Mas isso tudo Temer e a Globo já botaram
na conta. Vão partir pra cima dessa turma já conhecida.
O curinga na manga será a construção de novos movimentos
sociais. Populares e de esquerda, mas não necessariamente “petistas”. É daí que
pode vir a novidade mais consistente. Contra ela, toda a força e a virulência
de Temer e das PM pode se transformar em fraqueza.
Esse é o cenário que vejo.
O Brasil entra num novo ciclo. Temer parece hoje ter pouca
força pra se consolidar. Se errarmos muito, ele pode construir sua legitimidade
a partir de nossos erros. Mas se o surpreendermos, toda força midiática e
judicial não será capaz de evitar a construção (em 6 meses, 2 anos ou 10 anos)
de um novo ciclo de esquerda no Brasil.
Haverá resistência! Agora e sempre. De muitas formas.
P.S.: Os golpistas que nos atacam nas ruas e nas redes dizem
que estamos desesperados porque “perdemos a boquinha”. Deixem que pensem assim.
Não sabem que a maioria dos que lutam do lado de cá está acostumada a travar
longas batalhas, com persistência e confiança num futuro mais justo para o
Brasil e o Mundo. Esse não é o primeiro governo golpista que vamos enfrentar e
derrotar.
*Rodrigo Vianna é jornalista, blogueiro, trabalhou na Rede
Globo e atualmente está na Rede Record.
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