O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim,
concedeu uma entrevista ao periódico chileno La Tercera sobre a crise política
gerada pelo golpe no Brasil.
Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores em três
ocasiões: de 1993 a 1995, durante o governo de Itamar Franco; de 2003 a 2011,
na gestão Lula e de 2011 a 2015, durante a administração de Dilma.
Leia a entrevista na íntegra:
Qual é sua análise sobre a votação em favor do início do
impeachment contra Dilma Rousseff?
O que aconteceu era esperado, não há surpresa, mas todo o
processo é lamentável porque o que é imputável à presidenta são, talvez, erros
técnicos, que não devem ser cometidos, mas que foram feitos também por outros
presidentes sem que as consequências tenham sido as mesmas. Mas o que também
faz isso ser muito grave é que todo um projeto de visão de país foi mudado sem
que tenha havido eleições, sem que tenha havido voto da população. É uma
mudança total sem uma eleição.
Em entrevista à BBC o senhor falou que o objetivo real da
oposição com o impeachment mais que Rousseff era Lula e os programas sociais
impulsionados pelos governos do PT. É isso mesmo?
Bem, Dilma é parte de tudo isso também, por isso está sendo
atacada. O presidente interino Michel Temer havia dito que manteria os
programas sociais, mas nós sabemos que essas coisas são muitas vezes mais
sutis, é uma questão de prioridade. E um diz, ‘bem, vamos melhorar a gestão’,
mas na verdade começam a diminuir os fundos ou dar menos prioridade. No atual
governo foram eliminados ministérios importantes como a pasta de Direitos
Humanos. E é muito paradoxo, porque estamos dizendo que o objetivo era diminuir
os ministérios, mas a pasta que a presidenta Dilma havia baixado a nível de
secretaria, a de segurança institucional, volta a ter status ministerial. Então
a impressão que tenho é que está sendo substituída a prioridade dos Direitos
Humanos por uma prioridade pela segurança, em um país como o Brasil onde isso
traz recordações bem pouco agradáveis.
A legitimidade com que Temer chega à presidência tem sido
muito questionada. Como o senhor vê isso?
Não quero entrar individualmente na questão pessoal, mas a
legitimidade em um regime democrático vem do povo e o povo não se manifestou.
Talvez alguma vez houve protesto nas ruas, mas isso não é um indicador seguro
de qual é a vontade do povo. A vontade do povo se expressa na votação, em uma
eleição, isso é o que dá legitimidade. Sobretudo para uma mudança política tão
grande. Por exemplo, não se vê um negro, não se vê uma mulher nos ministérios,
a importância dos Direitos Humanos foi reduzida, a da Cultura e se aumenta a
importância da segurança. Vem uma política econômica, pelo que dizem, totalmente
neoliberal, com grandes privatizações do que resta ser privatizado. Então isso
me parece que não pode ser assim porque não é o que o povo votou.
Como ex-chanceler, qual é o dano que você considera que esta
crise provocou na imagem internacional do Brasil?
Não gosto de falar em imagem porque os governos autoritários
são mais obcecados com a imagem. De toda forma, hoje há muitas dúvidas, até
mesmo jornais liberais e conservadores, não falo só de gente de esquerda, nem
da opinião da Alba, nem nada disso, todos estão em geral preocupados. Ainda que
eles gostem que haja uma mudança da política econômica, reconhecem que não há
popularidade, que não há base popular, que isso pode dar margem a conflitos
sociais. Então eu creio que em geral é tudo muito negativo, ainda que
interesses econômicos imediatos possam se beneficiar, inclusive com
privatizações. Estes podem estar muito contentes.
Como você vê a reação de alguns governos da região que
apoiaram Dilma?
Me parece normal, porque todos estão preocupados que podem
encontrar fórmulas ilegais, que podem ter a aparecia de legalidade, ou que
podem ser legais desde o ponto de vista estritamente formal, mas cujo conteúdo
está distante da verdadeira legitimidade que vem do voto popular. Penso que
isso é algo que preocupa a todos no continente. E além disso, porque é visível
que as prioridades do Brasil, me parece, estão mudando, estão olhando menos
para a região, é uma visão muito mercantilista, muito comercialista do que são
as relações internacionais. Isso é preocupante.
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