Em comparação com os protestos de 15 de março, as
manifestações de ontem foram menores pelo volume e pela geografia. Em várias
cidades, os protestos foram cancelados ou nem foram convocados. Em São Paulo, o
mesmo DataFolha que apontou 200.000 pessoas nas ruas, há um mês, calcula que
ontem o protesto envolveu 100.000. Em outras cidades, onde cálculos mais
precisos foram substituídas por estimativas e puros chutes, as reduções também
foram notáveis.
O mesmo ocorreu nas redes sociais, informa a consultoria
Bites. Se as manifestações geraram 1,3 milhão de mensagens há um mês, esse
número ficou em 259.000, ontem - uma redução de 81%. O uso da palavra
impeachment nas mensagens caiu 86% e a palavra corrupção, 85%. Isso quer dizer
que a melodia agressiva que dominou as redes sociais em março, já não era
ouvida ontem.
Uma queda dessa dimensão no prazo de apenas um mês, quando
nenhum milagre visível se materializou na conjuntura, possui vários
significados.
O primeiro é ensinar que a oposição não foi capaz de
transformar o impeachment numa causa realmente popular. Se a massa que foi à
rua em março expressava o descontentamento dos adversários do governo, as
mesmas pessoas foram à rua em abril - mas a metade nem saiu de casa. Se março
deu a muitos analistas a impressão até de que a sobrevivência do governo
poderia ser colocada em questão, o 12 de abril retratou um protesto de outra
natureza, ainda que isso não deva inspirar festejos exagerados por parte deste
governo.
Afinal, só em São Paulo foram 100.000 pessoas na rua. Mesmo
que se possa duvidar da estimativa de que 25.000 pessoas foram à Esplanada, em
Brasília, e também em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, seria bobagem
negar que em diversos lugares ocorreram manifestações significativas.
Mas a verdade é que ninguém convoca um segundo protesto
imaginando que ele será menor do que o primeiro.
Essa queda na participação aconteceu apesar do engajamento
contínuo dos grandes meios de comunicação. Mais uma vez, tentaram dar às
manifestações um caráter dramático e decisivo, um evento ao qual o cidadão
comum deveria comparecer por razões cívicas - e não políticas. O apelo à
presença de crianças se explica por isso - mas nem de longe surtiu o efeito
esperado. Não custa lembrar que nas semanas anteriores os meios de comunicação
fizeram várias reportagens em estilo glamouroso com os organizadores dos
protestos.
Omitindo cuidadosamente o caráter anti-democrático e
fascista de boa parte de seus movimentos, eles eram tratados como jovens
celebridades de um novo tempo, uma espécie de simpáticos roqueiros convertidos
a anti-PT. No próprio domingo, a cobertura mostrava cenas de cada cidade, logo
cedo, num esforço de cobertura típico de eleição presidencial, Copa do Mundo e
eventos desse tipo. Era para deixar o cidadão sentindo-se culpado se decidisse
não comparecer. O resultado ficou à vista de todos.
Isso aconteceu, em minha opinião, porque o ocorreu uma
mudança no debate político das últimas semanas.
Para começar, foi possível demonstrar, a partir das redes
sociais, o caráter golpista de boa parte das manifestações contra o governo.
Isso provocou uma justa retração por parte do eleitorado de espírito
democrático, que não apoia Dilma por nenhum motivo - mas não aceita mudar o
governo fora das regras estabelecidas pela Constituição. O receio de serem
abandonados por esses eleitores levou lideranças que antes disputavam o
primeiro lugar dos protestos a tomar distância - algumas nem apareceram nas
manifestações de ontem.
Há um desgaste de outra natureza, também. A presença de
estrelas do PSDB na lista de investigados da Lava Jato, mesmo divulgada de
forma seletiva e parcimoniosa, teve seus efeitos junto a seu eleitorado.
Tratado como uma espécie de herói anti-petista pela
conquista da presidência da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha passou as
últimas semanas pagando a conta eleitoral da agenda conservadora que impôs ao
Congresso. A redução da maioridade penal é rejeitada por grandes parcelas da
população, em particular aqueles que podem transformar-se em suas vítimas
preferenciais - jovens pobres e negros. Eduardo Cunha, o PMDB e o PSDB fizeram
questão de voltar, 72 horas antes do dia do protesto, o projeto de lei 4330,
que revoga a CLT, principal conquista histórica dos trabalhadores brasileiros.
Se havia interesse em engrossar as manifestações para
encurralar o governo, não poderia haver uma ideia mais contraproducente, vamos
combinar.
Outro aspecto envolve a economia. O ajuste continua sendo
motivo de descontentamento do eleitorado que arregaçou as mangas para garantir
a vitória de Dilma no segundo turno. E pode é produzir novos descontentamentos
no futuro, quando os efeitos do juro alto e dos cortes nos gastos públicos
ajudarem a enfriar a economia de verdade. Mas as medidas de Joaquim Levy
começam a obter a aprovação real de uma parte dos adversários do governo, o que
talvez não transforme os inimigos em aliados, mas contribui para diminuir o
ambiente de histeria.
Via Blog do Miro
Via Blog do Miro
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