A redução da maioridade penal no Brasil, de 18 para 16 anos,
entrou na pauta da Câmara dos Deputados na última semana. Entenda por que a
medida recairá, principalmente, sobre crianças e jovens negros e pobres das
periferias.
A Cáritas brasileira, organismo da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), divulga um manifesto no qual reafirma seu
posicionamento contrário às propostas que tramitam no Congresso Nacional e que
versam também sobre o aumento do tempo de internação para menores infratores.
“Compreendemos que crianças e adolescentes respeitados em seus direitos
dificilmente serão violadores/as dos Direitos Humanos”, diz um trecho do
manifesto.
“Ressaltamos o nosso compromisso de exigir a obrigação e
responsabilização do Estado em garantir os direitos constitucionais
fundamentais para todas as crianças e adolescentes, assegurando-lhes condições
igualitárias para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades, assim como
assegurar que as famílias, a comunidade e a sociedade tenham condições para
assumir as suas responsabilidades na proteção de seus filhos/as”, diz o texto.
O manifesto da Cáritas destaca que as medidas de redução de
direitos, principalmente no que se refere à redução da maioridade penal e do
aumento do período de internação, atinge principalmente os e as jovens
marginalizados e marginalizadas, negros e negras, aqueles que moram na
periferia, que já tiveram todos os seus direitos de sobrevivência negados
previamente. Para a entidade, é preciso constatar que a violência tem causas
complexas que envolvem: desigualdades e injustiças sociais; aspectos culturais
que corroboram para a construção de um imaginário de intolerâncias e
discriminações, especialmente contra a população negra, pobre e jovem.
Além disso, “a realidade de políticas públicas ineficazes ou
inexistentes; falta de oportunidades para o ingresso de jovens no mercado de
trabalho; e a grande mídia que atribui valores diferentes a pessoas diferentes
conforme classe, raça/etnia, gênero e idade”. A medida de redução da maioridade
penal, para a Cáritas, é remediar o efeito e não mexer nas suas causas
estruturais. Pesquisas no mundo todo comprovam que a diminuição da maioridade
penal não reduz o índice de envolvimento de adolescentes em atos infracionais.
Presos têm cor
Já a Pastoral da Juventude (PJ), organização da Igreja
Católica também ligada à CNBB, em nota de repúdio à PEC 171/93 afirma que à
característica massiva do encarceramento no Brasil soma-se o caráter seletivo
do sistema penal: “mesmo com a diversidade étnica e social da população
brasileira, as pessoas submetidas ao sistema prisional têm quase sempre a mesma
cor e provêm da mesma classe social e territórios geográficos historicamente
deixados às margens do processo do desenvolvimento brasileiro: são pessoas
jovens, pobres, periféricas e negras”.
“Trancar jovens com 16 anos em um sistema penitenciário
falido que não tem cumprido com a sua função social e tem demonstrado ser uma
escola do crime, não assegura a reinserção e reeducação dessas pessoas, muito
menos a diminuição da violência. A proposta de redução da maioridade penal
fortalece a política criminal e afronta a proteção integral do/a adolescente”,
assinala a PJ.
Pressupostos equivocados
Já o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma
que a redução da maioridade penal está em desacordo com o que foi estabelecido
na Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, na Constituição Federal
brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta seria uma decisão
que, além de não resolver o problema da violência, penalizará uma população de
adolescentes a partir de pressupostos equivocados.
No Brasil, os adolescentes são hoje mais vítimas do que
autores de atos de violência. Dos 21 milhões de adolescentes brasileiros,
apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Na verdade, são eles, os
adolescentes, que estão sendo assassinados sistematicamente. O Brasil é o
segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás
da Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte, por
fatores externos, de adolescentes no País, enquanto para a população total
correspondem a 4,8%.
Mais de 33 mil brasileiros entre 12 e 18 anos foram
assassinadosentre 2006 e 2012. Se as condições atuais prevaleceram, outros 42
mil adolescentes poderão ser vítimas de homicídio entre 2013 e 2019. “As
vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos
negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades”, assinala o
Unicef.
Face mais cruel
A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do
Adolescente – Anced/Seção DCI Brasil, organização da sociedade civil de âmbito
nacional que atua na defesa dos direitos humanos da infância e adolescência
brasileira, e a Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei
(Renade) também divulgam uma nota pública denunciando que a redução da
maioridade penal trata-se de medida inconstitucional e que submete adolescentes
ao sistema penal dos adultos, contrariando tratados internacionais firmados
pelo Brasil e as orientações do Comitê Internacional sobre os Direitos da
Criança das Nações Unidas.
“O modelo penitenciário brasileiro é a face mais cruel de
uma política pública ineficaz e violadora de direitos humanos, não se
configurando como espaço adequado para receber adolescentes, pessoas em fase
especial de desenvolvimento. A redução das práticas infracionais na
adolescência passa necessariamente pelo enfrentamento das desigualdades sociais
e, especialmente, pela implementação do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo [Sinase]”, observam a Anced e a Renade.
Alternativas ineficientes
O Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria
Pública de São Paulo encaminhou uma nota técnica a todos os deputados federais
manifestando-se contrariamente à PEC 171/93, uma vez que a Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados irá promover uma audiência
pública para discutir a admissibilidade da proposta e outras a ela vinculadas.
O texto da nota destaca que as medidas de endurecimento do
sistema penal adotadas ao longo dos anos, se mostraram alternativas
ineficientes para reduzir a criminalidade e garantir segurança à população.
Segundo pesquisa do Ministério da Justiça, após a promulgação da Lei dos Crimes
Hediondos (Lei n.º 8.072/1990), a população carcerária no Brasil saltou de 148
mil para 361 mil presos entre 1995 e 2005, mesmo período em que houve o
crescimento de 143,91% nos índices de criminalidade.
Ainda segundo o Ministério da Justiça, entre dezembro de
2005 e dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361 mil para 473
mil detentos – crescimento de 31,05%, período que coincidiu com a entrada em
vigor da Lei que recrudesceu as penas dos crimes relacionados ao tráfico de
drogas (Lei n.º 11.343/2006).
A nota técnica lembra, ainda, que nos 54 países que
reduziram a maioridade penal não se observou diminuição da criminalidade, sendo
que Alemanha e Espanha voltaram atrás na decisão após verificada a ineficácia
da medida.
A Comissão Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente do Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais
(Condege) também divulgou uma nota pública manifestando repúdio às Propostas de
Emenda Constitucional que pretendem a redução da maioridade penal.
Fonte: Adial
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