Em pleno processo de regulamentação total da PEC das Domésticas, refletiremos sobre a rotina, histórias e o que pensam as mulheres que levam as casas de quem ganha milhões nas costas e nas mãos |
Saber o tempero que mais agrada, a dosagem do açúcar ou a
preferência por adoçante. O jeito que se ajeita a cama, com ou sem travesseiro.
Carregar a mochila da criança, segurar nos braços para atravessar a rua,
empurrar o carrinho, curvar o corpo em forma de amparo durante a aprendizagem
do caminhar.
Por Nós, Mulheres da Periferia*, no Outras Palavras
O cuidado com o quintal, com o cardápio, a feira, o mercado
da semana, do mês, da ceia de Natal. Lavar a roupa, estender no varal, passar
no dia seguinte. Segurar as sacolas no shopping.
Vão energia, carinho, amor e atenção. Deixam marcas nos
joelhos, nas pernas, braços e no olhar. A porta de serviço existe até hoje. A
cozinha ainda é o território permitido e os anúncios pedindo mulheres que
aceitem “dormir no trabalho e tenham boas indicações” continuam. O quartinho
permanece nos fundos, pequeno, estreito. Lá tem a cama, o armário e um
banheiro. Normalmente, depois que casa virou apartamento, também o lugar da
máquina de lavar e do varal de teto.
Às vezes usando uniforme totalmente branco, outras vezes
azul, bege ou preto com babadinhos. A cultura do trabalho doméstico (mal)
remunerado no Brasil representa um conjunto de explorações que, historicamente,
obriga mulheres pobres e – em sua maioria – negras a iniciarem a vida ativa do
trabalho muito cedo, ainda na infância e na juventude.
Estudo publicado pelo Dieese (Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), em agosto de 2013, revela que o
trabalho doméstico abriga uma das maiores categorias de trabalhadores e também
a menos valorizada: é a ocupação que apresenta o menor rendimento médio mensal
(R$ 509,00) quando comparada a todos os grupos de atividades. A quantia
representa 39% da média recebida entre os ocupados, em 2011.
Predominante feminina, a maioria são mulheres negras. Entre
2004 e 2011, a proporção de mulheres negras cresceu de 56,9% para 61% e para as
mulheres não negras houve um decréscimo de 4,1%, representando um total de 39%
entre as trabalhadoras.
O acúmulo de atividades é corriqueiro e, na maioria das
vezes, a nomenclatura não significa limitação da função. Aliás, não mesmo. Nos
anúncios: “procura-se babá que faça outras tarefas na casa”. Então, para tornar
o termo amplo, definem como empregada doméstica ou “a moça que trabalha lá em
casa”.
Em pleno processo de regulamentação total da PEC das
Domésticas, quando a grande mídia prioriza discutir quanto o patrão perderá em
cifras e não como fazer para se fazer cumprir a lei, refletiremos sobre a
rotina, histórias e o que pensam as mulheres que levam as casas de quem ganha
milhões nas costas e nas mãos. Mulheres como nossas mães.
*Nós, mulheres da periferia é um coletivo formado por oito
jornalistas e uma designer, todas moradoras de bairros da periferia do
município de São Paulo
Via Portal Vermelho
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