Resgatar as vivências, articulações e militâncias de
mulheres que resistiram ao período de ditadura militar no Brasil, é de extrema
importância, pois raramente na história do nosso país as mulheres aparecem como
precursoras e como combatentes, relegando apenas aos homens uma trajetória
política de enfrentamento com governos ditatoriais. Muitas histórias foram
apagadas, sequer contadas, vivências foram silenciadas.
Por Camila Galetti*
No Brasil dos anos 1960/70, a presença das mulheres na luta
armada, e no movimento revolucionário em geral, representou uma profunda
transgressão ao que era designado como próprio do sexo feminino. A transgressão
de gênero teve, na repressão e na tortura, uma dimensão específica, pois o fato
de ser mulher e revolucionária, era visto como um ato de atrevimento, como se
as mulheres estivessem ocupando um espaço que não estava destinado a elas e por
isso, elas foram consideradas subversivas pelo Estado, a repressão voltada para
as mulheres adquiriu um caráter específico. As mulheres eram estupradas,
submetidas a choques elétricos mesmo estando grávidas; objetos eram
introduzidos no seu órgão sexual, ou mesmo a violência psicológica, talvez a
mais praticada.
Os corpos femininos também eram “avaliados” o tempo todo
pelos torturadores, aquelas que se aproximavam do padrão hegemônico de beleza
imposta pela sociedade – mulheres magras, brancas, de cabelos lisos-, eram
constantemente assediadas e abusadas. Mulheres mais velhas, negras, eram
humilhadas pelas formas de seus corpos e cor de suas pelas, conforme citado em
diversos depoimentos como o de Maria Diva de Faria, presa no ano de 1973 em São
Paulo.
Ela relatou que os torturadores ridicularizavam as presas e
depois as estupravam.
Nesse sentido, vale a pena ressaltar a importância de
eventos como a Mostra de Cinema pela Verdade que tem exibido gratuitamente esse
ano quatro recentes documentários sobre a ditadura no Brasil em universidades
dos 27 estados do país, dentre eles o documentário do diretor Flávio Frederico,
“Em busca de Iara” (2014). Em Brasília/DF, o documentário sobre Iara Iavelberg,
uma dessas revolucionárias de história negligenciada contará com duas sessões,
uma já ocorreu e outra prevista para o dia 30/03 no campus Darcy Ribeiro da
UNB, e após a exibição haverá debate sobre a presença das mulheres na luta
armada e da importância de se dar visibilidade a trajetória de vida de mulheres
combativas
Foto: Iara Iavelberg
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Durante muito tempo prevaleceu a versão ‘oficial’ de que
Iara Iavelberg, militante da Polop, depois VPR e MR-8, se matou, para evitar as
torturas que certamente seria submetida caso fosse pega viva, pelos agentes do
DOI-Codi/RJ deslocados para Salvador/BA, onde Iara estava quando procurada pela
polícia. O documentário produzido por Flávio Frederico mostra as contradições
do relato ‘oficial’ e as fraudes referentes à morte de Iara. O mais intrigante
é o desaparecimento do laudo necroscópico dela. No Instituto Médico Legal (IML)
Nina Rodrigues, da Bahia, nem sequer há o registro de entrada do corpo de Iara
no necrotério.
Além disso, o corpo de Iara tornou-se ‘presa’ para capturar
Carlos Lamarca, na época seu companheiro, militante juntamente com Iara em
várias organizações, e só foi divulgada a morte dela após Lamarca ter sido
localizado morto no interior da Bahia. Iara Iavelberg, possui uma história de
vida de resistência e de militância em diversas organizações de extrema
esquerda, porém, infelizmente muitas vezes sua trajetória é reduzida ao fato de
ter sido companheira de Lamarca - redução, inclusive reproduzida pela esquerda,
que o filme ajuda a desconstruir, mostrando a firmeza militante de Iara e suas
qualidades de liderança política.
Reconhecer o fundamental papel feminino nas lutas de
resistência à ditadura, e como esse fato foi transgressor da ordem patriarcal,
é um exercício fundamental para dar visibilidade a trajetória de vida das
mesmas e também as lutas travadas à séculos por mulheres, contra as opressões e
explorações sofridas.
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