Em mais uma noite tensa de votação, a Câmara dos Deputados
aprovou, por ampla maioria, a inclusão na Constituição Federal da possibilidade
de doações de empresas a partidos políticos. O resultado foi uma reviravolta em
relação à noite anterior, quando a Casa rejeitou as doações diretas aos
candidatos. Na mesma noite, os deputados também aprovaram outra importante
mudança: o fim da reeleição para cargos executivos.
Ambas as propostas de alteração da Constituição aprovadas
hoje precisam ser votadas mais uma vez na Câmara e duas no Senado Federal para
passar a valer.
O resultado desta quarta-feira representa uma vitória para
Eduardo Cunha, presidente da casa, que ontem teve duas propostas rejeitadas na
votação da Reforma Política.
Não estava previsto que voltasse a ser apreciada qualquer
proposta de emenda constitucional permitindo o financiamento de empresas, após
o resultado de terça-feira.
No entanto, Cunha conseguiu o apoio da maioria dos partidos
para rever o acordo anterior dos líderes e incluir o tema novamente em votação,
sob o argumento de que a nova proposta tratava apenas da doação a partidos e,
portanto, era diferente da emenda rejeitada na noite anterior.
A decisão de votar outra proposta sobre o tema gerou revolta
na bancada do PT, que defende a proibição total das doações de empresas.
Cunha é um dos principais defensores da inclusão do
financiamento empresarial na Constituição – ele gastou R$ 6,5 milhões na
campanha de 2014, quando obteve recursos de empresas de mineração, bebidas,
telecomunicação, bancos, entre outras.
A tentativa de incluir na Constituição Federal as doações de
empresas é uma reação ao julgamento sobre o tema Supremo Tribunal Federal
(STF). Atualmente, a corte está analisando se doações de empresas são
inconstitucionais, e a maioria dos ministros já se pronunciou pela proibição.
No entanto, o julgamento está há mais de um ano parado por um pedido de vista
do ministro Gilmar Mendes.
“Mudança de sistema, fim da reeleição, é tudo cortina de
fumaça. O objetivo (da Reforma Política) é colocar na Constituição o
financiamento empresarial. Essa votação é uma coletânea de votos perdidos no
Supremo. Perderam no Supremo e agora querem aprovar”, criticou o deputado
Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA).
Virada
Para que a Constituição seja alterada, é necessário ao menos
308 votos dos 513 deputados. A possibilidade de doação de empresas a partidos
teve 330 votos favoráveis, um virada expressiva em relação ao resultado da
votação que rejeito a doação direta a candidatos (264 manifestações a favor).
Durante todo o dia, Cunha mobilizou seus aliados, para mudar
os votos dos que votaram contra as doações a candidatos. Partidos pequenos
teriam sido ameaçados com a votação de propostas que limitem mais seu acesso a
recursos dos fundo partidário e ao tempo de propaganda TV, caso não apoiassem o
financiamento empresarial.
A maior mudança veio dos 38 deputados do bloco composto por
PRB e outros oito partidos nanicos, que haviam votado em peso contra as doações
a candidatos e hoje apoiaram quase integralmente o financiamento de partidos
por companhias.
Líder do bloco, o deputado Celso Russomano (PRB-SP) disse
que o grupo cedeu para viabilizar um acordo de alteração da Constituição.
Segundo ele, não seria certo o STF decidir sobre o tema no lugar do Congresso.
“Não houve mudança, temos um conceito no bloco de que o
correto são apenas as doações de pessoas físicas. Mas, para haver acordo de um
texto constitucional, nós cedemos para o menos pior, o financiamento através
dos partidos”, explicou.
Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), a virada na votação
foi resultado de um “choque de realidade” dos parlamentares. “A maioria dos
deputados não sabe fazer campanha sem doações de empresa”, afirmou.
Eduardo Cunha afirmou que os deputados que não queriam
financiamento direto para candidatos sentiram-se “mais confortáveis” com a
proposta de hoje. “Que aliás era o texto original. O que aconteceu foi um erro
ontem, um erro político. Acabou não tendo ontem aprovação e hoje, na medida que
era (doação) por partido, os deputados se sentiram mais confortáveis para
votar.”
Doações de empresas a candidatos e partidos políticos estão
na berlinda devido às revelações de irregularidades pela Operação Lava Jato. As
investigações apontam que empresas teriam financiado campanhas de políticos de
diversos partidos com recursos públicos desviados da Petrobras.
Alvo de maior desgaste devido à operação, o PT anunciou
recentemente que continuará recebendo doações de empresas, mas proibiu seus
candidatos de serem financiados diretamente por companhias.
Antes da aprovação das doações empresariais, foram
rejeitadas as propostas de permitir que as campanhas fossem financiadas apenas
por recursos públicos ou também por doações de pessoas físicas.
Caso o financiamento empresarial passe nas próximas votações
da Câmara e do Senado, os limites máximos de arrecadação e os gastos de
recursos para cada cargo eletivo deverão ser definidos em lei.
Contra a reeleição
O fim da reeleição foi aprovado por ampla maioria dos
deputados, com raro consenso entre os três principais partidos: PMDB, PSDB e
PT. Foram 452 votos a favor e apenas 19 contra.
Os parlamentares ressaltaram, no entanto, que o fim da
possibilidade de candidatar-se para um segundo mandato consecutivo não atinge
atuais governadores e prefeitos, que poderiam fazê-lo em 2016 e em 2018.
O mecanismo foi aprovado em 1997, por interesse do PSDB, que
queria manter Fernando Henrique Cardoso mais quatro anos na Presidência. A
aprovação na medida no Congresso na época foi controversa e houve denúncia de
compra de votos.
O argumento dos que criticam hoje a reeleição é que o
candidato que está no poder tem vantagem na corrida eleitoral, já que controla
a máquina pública.
Além disso, os opositores da medida afirmam que os
governantes conduzem a administração já pensando na renovação do seu mandato.
“Há muitos problemas, principalmente em prefeituras menores, (prefeitos) que
acabam fazendo mandatos em função da reeleição”, disse Eduardo Cunha.
Dois cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil, porém,
criticaram a ideia de acabar com a possibilidade de reeleição. Para Antonio
Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco, ela é positiva na
medida em que “ajuda a possibilitar a continuidade por um período maior de
algumas políticas públicas”.
Já Rafael Cortez, da consultoria Tendências, considera que a
possibilidade de conquistar um segundo mandato é “um incentivo para o bom
comportamento dos governos”.
Duração dos mandatos e voto facultativo
A alteração do tempo de duração dos mandatos para cinco anos
e a coincidência de todos os mandatos – de modo que as eleições municipais,
estaduais e federal ocorram no mesmo ano – ainda devem ser votados nesta
semana, no que promete ser mais uma sessão polêmica.
Quem defende a coincidência das eleições argumenta que as
eleições “param o país”, ao mudar o foco dos políticos de seus mandatos para a
disputa eleitoral.
No entanto, especialistas consultados pela BBC Brasil
criticam a medida. Rafael Cortez, da consultoria Tendências, considera que a
realização de eleições municipais na mesma data que os pleitos presidencial e
estaduais geraria um excesso de informação a ser assimilado pelo eleitor e
poderia tirar atenção das disputas locais.
A proposta de voto facultativo está prevista para ser uma
das últimas em votação. Atualmente, o voto é permitido a partir dos 16 anos e
obrigatório para quem tem entre 18 anos e 60 anos – dentro dessa faixa etária,
quem deixar de votar precisa justificar a falta ou pagar uma multa. Caso não o
faça, fica sujeito a penalidades.
O voto facultativo é adotado em boa parte dos países
desenvolvidos. Dessa forma, um dos maiores desafios dos candidatos é convencer
o leitor a exercer seu direito. Em muitos países, o ceticismo em relação à
política tem provocado baixos índices de comparecimento às urnas.
Via DCM
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