Neste momento o país aplaude a glória de uma mulher negra e
ex-favelada. Mas não se iludam. A euforia diante do ouro da judoca Rafaela
Silva não pode ser considerada um trunfo sobre o racismo.
Se a história fosse diferente, com a vitória da adversária
Dorjsürengiin Sumiya nos segundos finais da luta, Rafaela estaria agora sendo
ofendida com xingamentos alusivos à sua cor da pele.
Foi assim durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Na
época, Rafaela era uma das esperanças de medalha da delegação brasileira,
expectativa frustrada por um golpe ilegal da judoca que levou à sua
desclassificação precoce.
A reação de uns torcedores canalhas foi atacá-la nas redes sociais
com xingamentos racistas que a levaram à depressão e a considerar largar o
esporte. “Macaca” foi o mais gentil.
Naquela hora, todas as qualidades de Rafaela Dias foram
ignoradas. O esforço e o talento necessários para disputar uma Olimpíada aos 20
anos de idade, as dificuldades financeiras da família e o estigma por ter
nascido na comunidade empobrecida e violenta da Cidade de Deus, nada disso teve
importância frente à ausência de uma medalha.
Hoje tudo isso é reconhecido. O perfil da atleta, pontuado
por episódios de superação que seduzem a audiência, prolifera pela internet.
Esteve no Jornal Nacional, onde foi bajulada por Galvão Bueno.
É bem capaz de aparecer no Domingão do Faustão ou ajudando
Luciano Huck a ganhar audiência.
Por enquanto é a esportista mais querida do país, mas
quantos que agora a idolatram a xingaram quatro anos atrás? Ou quantos estariam
vomitando impropérios se a vencedora da luta fosse a judoca da Mongólia?
Prodígio do esporte, Rafaela não levou ouro por sorte ou
imperícia das adversárias. Revelada pelo Instituto Reação, do judoca Flávio
Canto, tem um currículo vencedor: conquistou medalha de bronze nos Jogos
Pan-americanos de Toronto em 2015, prata no Pan de Honduras em Guadalajara e
medalha de ouro no Mundial de 2013.
Mas é mulher negra. Basta que deixe de vencer para retornar
à invisilidade, porque a grande mídia, assim como o brasileiro médio, dá valor
apenas aos vencedores. “Só fortalece quem tem mais”, como cantou Mr. Catra.
Que ela aproveite o momento, mas não se deixe enganar pelos
sorrisos que anda recebendo.
* Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista.
Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não
saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.
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