O desconhecimento sobre o feminismo produz um sem fim de
mitos sobre a feminista. Um deles é o ódio aos homens. Não tenho dúvidas de que
algumas feministas odeiam homens, assim como não tenho dúvidas de que algumas
pessoas odeiam outras. Mas a ênfase aqui é no “algumas”: o ódio é um sentimento
humano, e como tal é passível de ser encontrado em qualquer grupo ou movimento
social.
A resposta da filha deputada ao pai, sem ser meramente técnica, tampouco aparenta ódio. Ela apenas aponta, e delicadamente, o machismo de seu genitor: |
Por Joanna Burigo
No Carta Capital
Há muito que dizer sobre o ódio, desde o que o produz,
passando pelos contextos que o fomentam, até o seu poder transformador – que
pode ser positivo se direcionado à desconstrução de estruturas sociais de
opressão.
Mas este texto não é sobre ódio, e se o menciono é apenas
para dissipar o mito do ódio feminista aos homens, que frequentemente serve de
justificativa para que muitos se fechem para o nosso discurso.
A iniquidade de gênero – e não o ódio aos homens – é a
premissa da qual partem as feministas. Não é necessário aderir à causa para
constatar que existe desigualdade social entre homens e mulheres, no entanto –
muito embora seja esta constatação o que leva muita gente a se declarar
feminista.
Então partindo do pressuposto que existe desigualdade (existe),
e que essa desigualdade pesa mais negativamente sobre as mulheres do que sobre
os homens (ela pesa), não é surpreendente que os comportamentos, atitudes e
falas machistas dos homens sejam alvo frequente de nossas denúncias.
Por isso é até compreensível que o feminismo seja confundido
com o ódio aos homens. Mas é preciso elucidar: apontar machismo é bem diferente
de odiar os homens.
Um caso recente, envolvendo um pai e uma filha (que até onde
sei sequer se declara feminista, por sinal), ajuda a elucidar esta diferença.
Falo da resposta pública que a deputada estadual Maria Victoria Borghetti
Barros (PP-PR) deu, através de um vídeo publicado em seu perfil de Facebook,
para a declaração do próprio pai, o ministro da Saúde Ricardo Barros.
O ministro, ao lançar o programa Pré-Natal do Parceiro –
projeto bonito e importante que visa incentivar homens a fazerem exames de
prevenção ao acompanharem suas mulheres nos postos de atendimento durante a
gravidez – fez uma afirmação fundamentada não em dados, mas em sua opinião.
E sua opinião – além de ser, sabe, só uma opinião – é
machista. E é machista não por ser somente uma opinião, nem somente por ser uma
opinião mal informada. É machista por ser uma opinião pautada numa inverdade
cuja única decorrência é corroborar com a manutenção da ideia falsa de que
mulheres trabalham menos que homens.
O professor Leandro Karnal, ao mencionar o assunto em suas
redes, foi sarcástico: “o machismo não cede nem à lógica estatística”, disse.
Isso porque Barros afirmou que homens, os “provedores dos lares brasileiros”,
procuram menos atendimento de saúde porque “trabalham mais” e “possuem menos
tempo” do que as mulheres.
Acontece, ministro, que não é para isso que apontam os
institutos de pesquisa.De acordo com o IBGE, pelo menos 40% dos lares
brasileiros são chefiados (leia: financiados) por mulheres, e dados divulgados
em 2014 pelaPesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) mostram que a
jornada semanal de trabalho delas (o que inclui a jornada de trabalho doméstico,
que para as mulheres é de 20,6 horas semanais, mais que o dobro da observada
para os homens, de 9,8) tem quase cinco horas a mais que a deles. Considerando
essa dupla jornada, as mulheres trabalham em média 56,4 horas semanais, e os
homens 51,6 horas.
Como se não bastasse, o trabalho doméstico tende a não ser
remunerado – mas mesmo quando o trabalho é pago, mulheres podem ganhar até
25,6% a menos que homens pela mesma função. Isso quem diz não sou eu, nem as
feministas – mas a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e
o Caribe (CEPAL).
A gente fala, não acreditam. Então a gente testa nossas
hipóteses com pesquisas, dados, análises, estudos. Depois, instituições sérias
divulgam estas informações de forma oficial. Segue a mídia, que parece estar
compreendendo mais e mais o que é dito pelo feminismo. Daí.
Daí os homens no poder continuam preferindo sua própria
opinião. E são as feministas que odeiam os homens? Apontar a realidade não é
ódio, e a sociedade deveria agradecer que as mulheres querem somente equidade,
e não vingança.
Voltando à resposta da filha deputada para o pai ministro,
Maria Victoria também assinalou os dados. Mas sua resposta, sem ser meramente
técnica, tampouco aparenta ódio. Ela apenas aponta, e delicadamente, o machismo
de seu genitor:
“Pai, logo o senhor, com duas mulheres como nós em casa
(...) e trabalhamos tanto quanto o senhor. (...) E não precisa de dados para
mostrar o quanto as mulheres trabalham nesse Brasil inteiro. Depois de
trabalhar fora de casa, ainda tem de trabalhar em casa, a famosa jornada dupla
de trabalho. Não é isso mulherada?”
É, Maria Victória. É exatamente isso.
E já que estamos falando de pai e filha, vale lembrar que
neste domingo comemora-se o dia dos pais. É garantido que, nesta efeméride,
abundem críticas feministas.
Nas redes sociais, a campanha #ÉMeuPaiMas já acumula relatos
de cortar o coração: histórias de descaso, abandono, falta de reconhecimento
legal, não-pagamento de pensão, preconceito e violência doméstica, cujos
protagonistas (por ausência) são... homens.
Fazer estes relatos não é a mesma coisa que ter ódio, ainda
que alguns estejam cheios dele. Não é ódio nem aos homens nem aos pais o que
emana destas denúncias. É apenas a realidade.
Ainda que não seja a realidade de todas, é a realidade de um
número expressivo de mulheres e crianças, e compilar estas histórias – assim
como compilar dados sobre as diferenças entre jornada de trabalho, ou salários
– nos fornece dados significativos o suficiente para que se constituam análises
sobre um padrão que é social, e não um problema individual.
Termino esse texto com uma confissão e homenagem, por saber
que as duas coisas colaboram para a desconstrução do mito do ódio feminista aos
homens.
Meu pai, além de ser um homem muito (mais muito) sabido e
generoso, sempre esteve presente na minha vida e na do meu irmão, e sempre nos
tratou com a maior dignidade e respeito.
Para ele, o fato de eu ser menina, ou mulher, significa
muito pouco. Nunca fui “sua princesa”, e até hoje ele me chama de “minha
águia”, pois me educou para voar.
Eu queria muito que todos os homens tratassem todas as
mulheres como meu pai me trata. Mas não é esse o caso. Se assim fosse, não
precisaríamos trabalhar pelo fim do machismo e misoginia. Se todos os
patriarcas fossem com suas filhas o que o meu é comigo, não me interessaria
desconstruir o patriarcado, pois ele seria o próprio feminismo.
Tive muita sorte, e desejo um feliz dia dos pais para
aqueles cujas filhas também têm. Para a maioria dos pais, no entanto, meu
desejo tampouco é por um dia infeliz, pois isso nada tem a ver com ódio. Só
gostaria que passassem a ouvir, assimilar, compreender e respeitar o que dizem
as mulheres.
Via - Portal Vermelho
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