Em alusão ao Oito de Março, Dia Internacional da Mulher!
Por Gloria Steinem
Morar na Índia me fez compreender que a minoria branca do
mundo passou séculos nos enganando para que acreditássemos que a pele branca
faz uma pessoa superior a outra. Mas na verdade a pele branca só é mais
suscetível aos raios ultravioleta e propensa a rugas.
Ler Freud me deixou igualmente cética quanto à inveja do
pênis. O poder de dar à luz faz a “inveja do útero” mais lógica e um órgão tão
externo e desprotegido como o pênis deixa os homens extremamente vulneráveis.
Mas ao ouvir recentemente uma mulher descrever a chegada inesperada de sua
menstruação (uma mancha vermelha se espalhara em seu vestido enquanto ela
discutia, inflamada, num palco) eu ainda ranjo os dentes de constrangimento.
Isto é, até ela explicar que quando foi informada aos sussurros deste
acontecimento óbvio, ela dissera a uma platéia 100% masculina: “Vocês deveriam
estar orgulhosos de ter uma mulher menstruada em seu palco. É provavelmente a
primeira coisa real que acontece com vocês em muitos anos!”
Risos. Alívio. Ela transformara o negativo em positivo. E de
alguma forma sua história se misturou à Índia e a Freud para me fazer
compreender finalmente o poder do pensamento positivo. Tudo o que for
característico de um grupo “superior” será sempre usado como justificativa para
sua superioridade e tudo o que for característico de um grupo “inferior” será
usado para justificar suas provações.
Homens negros eram recrutados para
empregos mal pagos por serem, segundo diziam, mais fortes do que os brancos,
enquanto as mulheres eram relegadas a empregos mal pagos por serem mais
“fracas’. Como disse o garotinho quando lhe perguntaram se ele gostaria de ser
advogado quando crescesse, como a mãe, “Que nada, isso é trabalho de mulher.” A
lógica nada tem a ver com a opressão.
Então, o que aconteceria se, de repente, como num passe de
mágica, os homens menstruassem e as mulheres não? Claramente, a menstruação se
tornaria motivo de inveja, de gabações, um evento tipicamente masculino.
Os homens se gabariam da duração e do volume. Os rapazes se
refeririam a ela como o invejadíssimo marco do início da masculinidade.
Presentes, cerimônias religiosas, jantares familiares e festinhas de rapazes
marcariam o dia. Para evitar uma perda mensal de produtividade entre os
poderosos, o Congresso fundaria o Instituto Nacional da Dismenorréia. Os
médicos pesquisariam muito pouco a respeito dos males do coração, contra os
quais os homens estariam, hormonalmente, protegidos e muito a respeito das
cólicas menstruais. Absorventes íntimos seriam subsidiados pelo governo federal
e teriam sua distribuição gratuita. E, é claro, muitos homens pagariam mais
caro pelo prestígio de marcas como Tampões Paul Newman, Absorventes Mohammad
Ali, John Wayne Absorventes Super e Miniabsorventes e Suportes Atléticos Joe
Namath — “Para aqueles dias de fluxo leve”.
As estatísticas mostrariam que o desempenho masculino nos
esportes melhora durante a menstruação, período no qual conquistam um maior
numero de medalhas olímpicas. Generais, direitistas, políticos e
fundamentalistas religiosos citariam a menstruação (”men-struação”, de homem em
inglês) como prova de que só mesmo os homens poderiam servir a Deus e à nação
nos campos de batalha (”Você precisa dar seu sangue para tirar sangue”), ocupariam
os mais altos cargos (”Como é que as mulheres podem ser ferozes o bastante sem
um ciclo mensal regido pelo planeta Marte?”), ser padres, pastores, o Próprio
Deus (”Ele nos deu este sangue pelos nossos pecados”), ou rabinos (”Como não
possuem uma purgação mensal para as suas impurezas, as mulheres não são
limpas”).
Liberais do sexo masculino insistiriam em que as mulheres
são seres iguais, apenas diferentes. Diriam também que qualquer mulher poderia
se juntar à sua luta, contanto que reconhecesse a supremacia dos direitos
menstruais (”O resto não passa de uma questão”) ou então teria de ferir-se
seriamente uma vez por mês (”Você precisa dar seu sangue pela revolução”). O
povo da malandragem inventaria novas gírias (”Aquele ali é de usar três
absorventes de cada vez”) e se cumprimentariam, com toda a malandragem, pelas
esquinas dizendo coisas tais como:
— Cara, tu tá bonito pacas!
— É, cara, tô de chico!
Programas de televisão discutiriam abertamente o assunto.
(No seriado Happy Days: Richie e Potsie tentam convencer Fonzie de que ele
ainda é “The Fonz”, embora tenha pulado duas menstruações seguidas. Hill Street
Blues: o distrito policial inteiro entra no mesmo ciclo.) Assim como os
jornais, (TERROR DO VERÃO: TUBARÕES AMEAÇAM HOMENS MENSTRUADOS. JUIZ CITA
MENSTRUAÇÃO EM PERDÃO A ESTUPRADOR.) E os filmes fariam o mesmo (Newman e
Redford em Irmãos de Sangue).
Os homens convenceriam as mulheres de que o sexo é mais
prazeroso “naqueles dias”. Diriam que as lésbicas têm medo de sangue e,
portanto, da própria vida, embora elas precisassem mesmo era de um bom homem
menstruado. As faculdades de medicina limitariam o ingresso de mulheres (”elas
podem desmaiar ao verem sangue”). É claro que os intelectuais criariam os
argumentos mais morais e mais lógicos. Sem aquele dom biológico para medir os
ciclos da lua e dos planetas, como pode uma mulher dominar qualquer disciplina
que exigisse uma maior noção de tempo, de espaço e da matemática, ou mesmo a
habilidade de medir o que quer que fosse? Na filosofia e na religião, como pode
uma mulher compensar o fato de estar desconectada do ritmo do universo? Ou
mesmo, como pode compensar a falta de uma morte simbólica e da ressurreição
todo mês?
A menopausa seria celebrada como um acontecimento positivo,
o símbolo de que os homens já haviam acumulado uma quantidade suficiente de
sabedoria cíclica para não precisar mais da menstruação. Os liberais do sexo
masculino de todas as áreas seriam gentis com as mulheres. O fato “desses
seres” não possuírem o dom de medir a vida, os liberais explicariam, já é em si
castigo bastante.
E como será que as mulheres seriam treinadas para reagir?
Podemos imaginar uma mulher da direita concordando com todos os argumentos com
um masoquismo valente e sorridente. (’A Emenda de Igualdade de Direitos
forçaria as donas de casa a se ferirem todos os meses : Phyllis Schlafy. “O
sangue de seu marido é tão sagrado quanto o de Jesus e, portanto, sexy
também!”: Marabel Morgan.) Reformistas e Abelhas Rainhas ajustariam suas vidas
em torno dos homens que as rodeariam. As feministas explicariam incansavelmente
que os homens também precisam ser libertados da falsa impressão da
agressividade marciana, assim como as mulheres teriam de escapar às amarras da
“inveja menstrual”. As feministas radicais diriam ainda que a opressão das que
não menstruam é o padrão para todas as outras opressões.
(”Os vampiros foram os
primeiros a lutar pela nossa liberdade!”) As feministas culturais exaltariam as
imagens femininas, sem sangue, na arte e na literatura. As feministas
socialistas insistiriam em que, uma vez que o capitalismo e o imperialismo fossem
derrubados, as mulheres também mens-truariam. (”Se as mulheres não menstruam
hoje, na Rússia”, explicariam, “é apenas porque o verdadeiro socialismo não
pode existir rodeado pelo capitalismo.”)
Em suma, nós descobriríamos, como já deveríamos ter adivinhado,
que a lógica está nos olhos do lógico. (Por exemplo, aqui está uma idéia para
os teóricos e lógicos: se é verdade que as mulheres se tornam menos racionais e
mais emocionais no início do ciclo menstrual, quando o nível de hormônios
femininos está mais baixo do que nunca, então por que não seria lógico afirmar
que em tais dias as mulheres comportam-se mais como os homens se portam o mês
inteiro? Eu deixo outros improvisos a seu cargo.*
A verdade é que, se os homens menstruassem, as
justificativas do poder simplesmente se estenderiam, sem parar.
Se permitíssemos.
*Gloria Steinem (Toledo, 25 de março de 1934) é uma
jornalista estadunidense, célebre por seu engajamento com o feminismo e sua
atuação como escritora e palestrante, principalmente durante a década de 1960.
(Fonte Wikipédia)
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