O rebaixamento do Brasil para a segunda divisão das
democracias ocidentais teve três momentos significativos: a votação da
admissibilidade na Câmara, com aquela malta aos berros invocando o nome do pai
e da mãe; a performance de Janaina Paschoal no comício do Largo São Francisco;
e o jovem procurador gaguejante, armado de um Power Point capenga, conduzindo
um discurso tatibitate naquele que deveria ser o grande desfecho da mais
massacrante campanha já movida contra uma pessoa no país.
Foi como se todo o edifício de marketing erigido em torno da
Lava Jato desmoronasse de uma vez.
Até agora era ensaio e jogo para a plateia. O jogo de
verdade começou ontem. E, ali, não houve marketing que resolvesse.
O dia começou com as críticas à parcialidade do Procurador
Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, culminando com uma Carta Aberta de seu
ex-melhor amigo, procurador Eugênio Aragão. E terminou com um palco iluminado,
com os olhos do país sobre a Lava Jato, para que procuradores provincianos,
armados com todos os recursos do marketing – prejudicado por um Power Point
sofrível – se exibissem para a torcida durante 90 minutos, sem marcar um gol
sequer.
O único chute, aliás, foi gol contra: a afirmação do
procurador de que “não temos prova, mas temos convicção”. Que mereceu uma
blague matadora: uma foto do helicóptero com os 400 quilos de cocaína e a frase
“nós temos provas, mas não temos convicção”.
Depois de meses com o país aguardando em suspense o grande
dia da apresentação da denúncia, a peça acusadora assemelha-se a um livro de
ensino básico montado com a assessoria do Google. Descrevem os escândalos da
Petrobras, o mensalão, o presidencialismo de coalizão, a história de José
Dirceu no PT, em um “enrolation” sem par. E terminam com um duplo abuso.
O primeiro, de não terem apresentado uma prova sequer contra
Lula. O segundo de, mesmo assim, terem alimentado os jornais de manchetes
falsas por meses e meses, e, agora, oferecerem a denúncia, com uma peça que
expõe o Ministério Público Federal à galhofa.
Com um texto paradidático para ensino fundamental, explicam
o que é o presidencialismo de coalizão.
“Dentro do “presidencialismo de coalizão”, a formação da
base aliada do Governo envolve três momentos típicos. Primeiro, a constituição
da aliança eleitoral, que requer negociação em torno de diretivas programáticas
mínimas, a serem observadas após a eventual vitória eleitoral. Segundo, a
constituição do governo, no qual predomina a distribuição de cargos e
compromissos relativos a um programa mínimo de governo. Finalmente, a
transformação da aliança em coalizão efetivamente governante, momento em que
emerge o problema da formulação da agenda real de políticas e das condições de
sua implementação. Numa estrutura multipartidária, o sucesso das negociações,
na direção de um acordo explícito entre o Poder Executivo e os integrantes do
Poder Legislativo, que aprova as leis que concretizam o plano de governo, é decisivo
para capacitar o sistema político a atender demandas políticas, sociais e
econômicas”.
Fantástico! Entenderam o que o presidencialismo de coalizão!
Mas o de Lula é diferente.
“No entanto, de forma contrária, em vez de buscar apoio
político por intermédio do alinhamento ideológico, LULA comandou a formação de
um esquema criminoso de desvio de recursos públicos destinados a comprar apoio
parlamentar de outros políticos e partidos, enriquecer ilicitamente os
envolvidos e financiar caras campanhas eleitorais do PT em prol de uma
permanência no poder assentada em recursos públicos desviados”.
Antes do Lula os partidos queriam cargos para fazer o bem
comum, procurar o bem e a caridade e pagar dízimo para a Igreja.
Mais: descobriram novidades fantásticas! Que além de
construir a governabilidade, Lula “objetivou também a perpetuação no poder do
próprio partido”. Alvíssaras! No seu curso de Ciências Políticas por
correspondência, os doutos procuradores de Curitiba descobriram que os partidos
políticos lutam para se perpetuar no poder.
Em um trecho, desenvolvem a tese da caixa única
centralizada, como se fosse peça central para fechar o raciocínio em torno da
tal organização criminosa. “Considerando
que o
dinheiro é um
bem fungível, e
tendo em vista que
os recursos ilícitos
de cada uma
das empreiteiras revertia
para o mesmo
caixa geral de cada
partido, os valores
desviados de diferentes
fontes nesse caixa
se misturavam”, uma maneira douta
e erudita de dizer que os partidos recebiam propinas de diversas frentes.
Na falta de provas, recheiam a acusação com uma salada
monumental, misturando acusações diversas, de escândalos e sub-escândalos já
levantados, das mutretagens da André Barbosa com agências de publicidade, à
Eletronorte, para atribuir tudo a Lula.
O leitor esperando as provas, e nada. Em cada capítulo
repetem a história do apartamento tríplex – sem apresentar um dado sequer de
que é ou era de Lula; e a guarda dos documentos presidenciais, bancada pela
OAS.
É para isso que se quer as Dez Medidas. Para conferir um
poder avassalador para procuradores sem discernimento, que sabem apenas jogar
para a mídia.
Com esse espetáculo burlesco, os procuradores da Lava Jato
facilitaram o trabalho dos que pretendem esvaziar sua atuação. Fizeram o mesmo
que seus colegas portugueses com o ex-primeiro-ministro José Sócrates: montaram
uma campanha sem provas para destruir a imagem política. Entregue o trabalho
sujo, chegou a hora do Alto Comando enquadrá-los. E, nada melhor, do que a
apresentação canhestra de procuradores imberbes e deslumbrados para facilitar o
desmonte.
No Jornal GGN
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