No UJS
A avaliação sobre a evolução das ferramentas de comunicação
em massa e o desenvolvimento tecnológico das corporações da informação, isto é,
da mídia e da imprensa, deve ser assunto fundamental para a compreensão das
recentes articulações políticas que engendraram em um golpe institucional no
estado democrático de direito do Brasil, ou da deposição de uma Presidenta da
República por vias conspiratórias.
A imprensa, também apelidada como o Quarto Poder da
República, tem o seu modus operandi próprio no Brasil, o tamanho poder
desregulado que aqui ela concentra é motivo de curiosidade para todo o resto do
mundo, onde os meios de comunicação têm sido cada vez mais regulamentados de
acordo com a diversidade de opinião e a descentralização da informação cuja
modernidade e o avanço tecnológico insistem em acelerar cada vez mais.
Os múltiplos elementos que configuraram a trama dessa
conspiração do impeachment criaram um verdadeiro Kraken (um monstro da
mitologia grega, parecido com um polvo gigante com inúmeros tentáculos
enormes), cujos tentáculos podem se encontrar por todos os lados e que envolvem
o judiciário, o legislativo e outras corporações como a própria Polícia
Federal, o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal
de Contas da União e isso sem falar nos atores internacionais, do qual
certamente os Estados Unidos são protagonistas. Tamanha concentração de poder
faz com que a análise da construção do impeachment no Brasil tenha a imprensa
também como uma integrante fundamental desse processo.
A compreensão histórica, como sempre, se faz necessária como
uma ferramenta para um entendimento mais aprofundado no presente do papel de
organizações que permearam os processos políticos da constituição do nosso
país, justamente pela forma que se comportaram em outros momentos do passado.
Nesse sentido devemos avaliar a influência da imprensa em outros episódios
importantes da história política do Brasil e ao mesmo tempo refletir sobre
como, ao longo do tempo, as ferramentas e os avanços tecnológicos facilitaram
ainda mais a sua participação, possibilitando inclusive que seus tentáculos e
seu manto da (des)informação se estendesse por um número inimaginavelmente
maior de pessoas e de uma maneira tão mais ágil quanto jamais poderíamos
conceber.
Ora, há mais de 60 anos um Presidente da República já havia
sentido como seria fundamental a participação da imprensa em um processo
conspiratório, e a capacidade que esses meios de comunicação sempre
desenvolveram de criar, manipular ou desvirtuar as informações de maneira sútil
para obter fins desejados. Getúlio Vargas caiu nas garras de Lacerda e da mídia
da época, que tramaram com os opositores de seu governo e conseguiram criar uma
sustentação que ganhasse lastro na consciência e no imaginário popular, para
que enfraquecido, o presidente fosse levado à derrota quase que por conta
própria.
Não por falta de vontade das elites e dos militares um golpe
militar foi adiado por mais 10 anos, quando em 1964 se consolidou usurpando o
legítimo mandato de João Goulart. E lá estava a imprensa novamente, com
condições ainda melhores para criar uma narrativa que gerasse um sentimento
sine qua non aos seus objetivos.
Nenhuma transformação política ocorre efetivamente sem que
com ela existam mudanças também em outras esferas da sociedade,
fundamentalmente balizadas pelas relações sócio-econômicas e de produção, mas
que buscam espaço também na consciência e no imaginário popular, já que as
grandes transformações exigem uma fundamental mobilização da coletividade
social, isto é, das massas, e desde que esse elemento essencial não esteja
convencido da mudança (ou da manutenção de um status quo) tal desejo não se
alcançará, e por isso a imprensa é tão fundamental: a disputa de consciência.
Tais reflexões só podem desaguar no fatídico momento
político em que vivemos, talvez num recorte mais amplo, possa se estender à
Junho de 2013, onde a presença da imprensa na disputa da linha política das
ruas foi nítida e escancarada. Mas passados mais de 60 anos desde o suicídio de
Getúlio e mais de 50 anos desde o Golpe Militar, os aparatos tecnológicos que
podem gerar e disseminar a informação são muito mais sofisticados e por isso
aceleram os processos dinâmicos de transformação de paradigmas do pensamento
humano.
A entrada da imprensa com mais assertividade na construção
da linha política que mobilizou as pessoas às ruas e a forma com que isso se
direcionou à disputa do poder foi fatal. Os grandes oligopólios de comunicação
do Brasil, que muito diferente do que defende o livre-mercado, não apresentam
absolutamente nenhuma chance para concorrentes, apostaram toda sua estrutura
para criar uma narrativa política própria, que convencesse a população
brasileira de seu próprio programa político, sem lhes apresentar outras
alternativas de reflexão. E o objetivo era um só: derrotar o projeto que se
instalou no centro do poder do estado brasileiro, os focos eram Lula, Dilma, o
PT, a esquerda, e em grande escala todo o projeto de
nacional-desenvolvimentismo progressista.
Usaram toda a expertise daqueles que há dezenas de anos
constroem interpretações, selecionam e disseminam informações à sua própria
sorte e fazem parte, obviamente, do jogo do poder, ilude-se quem acha que não.
Foram sagazes. Souberam dissecar e apontar as lideranças que precisavam ser
abatidas, transformaram problemas sistêmicos e históricos da política
brasileira em crimes dolosos e personificados, fizeram da informação um objeto
a ser olhado por um telescópio defeituoso, equívocos desvirtuados e ampliados à
uma escala que deixaria qualquer um abismado. E com o monopólio da informação e
todas ferramentas a seu dispor, estavam com todas as condições necessárias.
E assim foi. Disputaram e criaram uma narrativa absurdamente
modelada à sua vontade, criaram um clima entre a população e inflavam a cada
momento, jogavam subjetivamente às bandeiras e as análises políticas e
econômicas que elaboraram, e logo as ruas estavam ocupadas ao som de suas
próprias bandeiras. Esse é mais um elo dessa longa corrente do golpe, a
consciência do povo é elemento fundamental e deve ser entendido como parte do
processo de construção desse absurdo que vivemos hoje e que tem respaldo entre
muitas pessoas. Isso ressalta a importância de continuarmos lutando por uma
comunicação mais democrática e de estarmos cada vez mais elaborando uma contra-informação
que seja honesta e justa, para contestar esse projeto atrasado e elitizado
apresentado pelo monopólio da imprensa.
*Por Iago Montalvão - Diretor de Relações Institucionais da
União Nacional dos Estudantes
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