Ao acolher a denúncia "sem nenhuma prova, mas cheia de
convicções" dos procuradores contra o ex-presidente Lula, o justiceiro
Sérgio Moro fica a um passo da encenação final planejada para a Lava Jato: ou
[1] a prisão do Lula; ou, no mínimo, [2] o seu enquadramento criminal, para
impedi-lo de disputar e vencer a eleição de 2018.
O discurso cínico da corrupção sempre foi instrumentalizado
pelas oligarquias golpistas para desestabilizar e derrubar governos
nacionalistas, desenvolvimentistas e democrático-populares – fizeram com
Getúlio, Juscelino e Jango no século passado, e com Lula e Dilma na atualidade.
Para o pensador italiano Norberto Bobbio, os fascistas não
combatem de verdade a corrupção, apenas usam-na como pretexto para tomar o
poder: "O fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em
1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta, agride como
se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso, um sociopata que
persegue carreira política. No poder, não hesita em torturar, estuprar, roubar
sua carteira, sua liberdade e seus direitos".
Em termos formais, a Lava Jato começou oficialmente em 17 de
março de 2014, dia em que ocorreu a primeira fase pública com a prisão de
doleiros envolvidos na lavagem do dinheiro proveniente da corrupção na
Petrobrás.
Na prática, porém, a Lava Jato começou antes; foi idealizada
com razoável anterioridade e planejada com inteligência e apuro estratégico. A
Operação foi concebida como um instrumento político-ideológico para interromper
o ciclo de governos do PT que a oposição liderada pelo PSDB não conseguiu em
três eleições consecutivas.
As ainda hoje enigmáticas "jornadas de junho" de
2013 condensaram as condições para o nascimento da Lava Jato, que foi
pacientemente gestada em laboratórios conspirativos no Brasil e no exterior.
São notórios os seminários de formação brindados pelo FBI e outras agências
norte-americanas a policiais, procuradores e juízes. Sérgio Moro, por exemplo,
participa anualmente de eventos nos EUA – o irônico é não encontrar tempo para
prestar esclarecimentos aos deputados federais na audiência da Câmara dos
Deputados sobre o Projeto de Lei contra a corrupção, em 4/8/2016.
As mobilizações que começaram em março de 2013 com agendas
de mobilidade urbana e do direito democrático à cidade, foram inteligentemente
capturadas pelo conservadorismo que encorajou a classe média racista,
homofóbica e escravocrata a ocupar as ruas desfraldando as bandeiras contra a
corrupção, o sistema político, os partidos políticos e defendendo, de maneira
instigante, a rejeição da até então desconhecida PEC 37 – que acabou rejeitada
com o voto de 430 deputados amedrontados com a pressão da mídia e as
"vozes das ruas".
A proposta de emenda constitucional 37 pretendia retirar o
poder do MP de investigar crimes, deixando tal atribuição exclusivamente para a
Polícia Federal e para as polícias civis dos Estados. A investigação de Lula
pelos procuradores do MP – feita com abusos, seletividade e atropelos – elucida
os interesses ocultos naquela grande mobilização para derrubar a PEC 37.
Na dinâmica de 2013 foram inoculados os germens do regime
jurídico de exceção que se vive hoje no Brasil. Ali nasceram "movimentos
de rua" e ONGs mercenárias financiadas pelos partidos de oposição, por
grupos e entidades empresariais e por órgãos estrangeiros – as organizações
mais notórias são o Movimento Brasil Livre e o Vem pra Rua.
A Globo, Folha, Estadão e o conjunto da mídia canalizaram o
clima de mal-estar que era difuso em relação à política e ao sistema,
exclusivamente na direção do governo Dilma, que sofreu uma queda vertiginosa de
popularidade em poucas semanas, que nunca foi recuperada.
O discurso da corrupção foi o cimento que deu liga
oposicionista às múltiplas tensões abertas no período: a crise econômica
internacional, a queda do preço dascommodities, o aumento da tarifa de energia
elétrica e a desaceleração econômica.
Dali em diante a história é bem conhecida: a Lava Jato
carimbou a corrupção na Petrobrás com o selo de "Petrolão do PT",
ainda que o esquema tenha sido aperfeiçoado nos governos FHC; ainda que somente
3 dentre mais de 60 condenados sejam do PT; ainda que 34 deputados do PP sejam
investigados; ainda que a cúpula inteira do PMDB – Temer, Cunha, Jucá, Renan,
Sarney – tenham sido citados em delações e gravações escandalosas; ainda que
Aécio, Serra e parlamentares do PSDB sejam multi-citados em delações; ainda que
o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra tenha recebido R$ 10 milhões de propinas
etc etc.
A Lava Jato não quer passar o Brasil a limpo; não pretende
combater de verdade a corrupção. O objetivo da Operação é arrasar a imagem do
Lula e do PT. Previmos noartigo Com ataque a Lula, Lava Jato pode incendiar o
país, que Moro agiria como agiu, em que pese a unanimidade jurídica e política
que condenou a denúncia espalhafatosa dos procuradores.
Apesar das dissimulações no despacho em que acolheu a
denúncia, Moro dará o passo seguinte, que será pela condenação do Lula. Mesmo
com a absoluta ausência de provas, ele desde o início tem uma convicção
arraigada de que Lula é culpado, independentemente da inexistência de crime
para a condenação. É só um jogo de cartas marcadas.
É crescente a revolta e a indignação com os abusos da
força-tarefa da Lava Jato contra Lula. Os justiceiros estão assumindo
objetivamente o risco do conflito social que a perseguição e a injustiça a Lula
podem ocasionar.
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