O técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos,
matou 12 pessoas a tiros antes de se suicidar na noite de Réveillon, em
Campinas. Das 12 vítimas, nove eram mulheres, entre elas sua ex-mulher Isamara
Filier, de 41 anos. Todos foram sepultados na segunda-feira 2.
Uma carta escrita pelo assassino e divulgada no domingo 1º
pelo jornal O Estado de S. Paulo não deixa dúvidas: trata-se de feminicídio,
crime no qual as mulheres são mortas em razão do gênero, ou seja, por
menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Na carta, Araújo usa 12 vezes a palavra “vadia” para se
referir à ex-mulher e às mulheres da família dela. “Quero pegar o máximo de
vadias da família juntas”, escreveu.
Em outro trecho, em que o ódio e a misoginia ficam ainda
mais evidentes, o assassino diz ter “raiva das vadias que se proliferam e muito
a cada dia se beneficiando da lei vadia da penha!”, uma referência à Lei Maria
da Penha. Araújo desconhecia ou ignorava o fato de que a lei, criada em 2006,
reduziu em cerca de 10% a taxa de homicídio contra mulheres vítimas de violência
doméstica, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Apesar dos avanços trazidos pelas leis do Feminicídio e
Maria Penha, a violência de gênero faz parte do cotidiano do País. Dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS) compilados no Mapa da Violência 2015 apontam
que o Brasil é o quinto país do mundo em assassinatos de mulheres, atrás apenas
de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
De acordo com um dossiê divulgado em novembro pelo Instituto
Patrícia Galvão, a cada 90 minutos uma mulher é vítima de feminicídio no
Brasil. Para Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do instituto e
editora-chefe do Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, a
chacina de Campinas tem todos os elementos de um feminicídio.
“Além do crime de assassinato cometido em uma circunstância
de violência doméstica familiar, o assassino mostra muito menosprezo à mulher,
à condição do sexo feminino. Isso abrange todas as vítimas dessa chacina”,
afirma. Para Sanematsu, que participou da elaboração do Dossiê Feminicídio, o
caso expõe a urgência em debater o machismo na sociedade brasileira.
“O que leva a esse ódio? Isso representa, para mim, a
incapacidade do homem de lidar com o empoderamento das mulheres. Esse
empoderamento leva as mulheres a dizerem não, e as reações extremas vêm
daqueles que não sabem lidar com a contrariedade. Então toda mulher que
contraria a sua vontade, a sua ordem e a sua opinião é uma vadia. E é essa
mulher que merece ser agredida, que merece ser morta. É muito preocupante”, completa
Sanematsu.
Entre as 12 vítimas de Araújo está também João Victor Filier
de Araújo, de 8 anos, filho dele com Isamara. Os pais disputavam a guarda da
criança, e em 2012 Araújo foi acusado pela ex-mulher de abusar sexualmente do
filho. A Justiça considerou que as acusações não eram “cabalmente comprovadas”,
mas determinou regras de convívio restritas. De acordo com Daniela Teixeira,
vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, a Justiça
falhou.
“O Judiciário deve desculpas a essa mulher que morreu e aos
parentes que também morreram. Essa mulher já tinha procurado a Justiça para
dizer que ele [Araújo] era uma pessoa perturbada. Todo o sistema jurídico
falhou na proteção dessa mulher, dessa criança e das outras pessoas inocentes
que foram mortas nesse Réveillon”, afirma Teixeira. “As atitudes dele comprovam
que ela [Isamara] tinha razão. Esse pai não podia ficar perto do filho. Olha o
que ele foi capaz de fazer”, continua.
Na carta, Araújo coloca-se como vítima de uma “injustiça”,
de um plano armado pela ex-mulher para distanciá-lo do filho. Por fim, incita o
ódio e a violência contra as mulheres.
“Eu morro por justiça, dignidade, honra e pelo meu direito
de ser pai! (...) A vadia foi ardilosa e inspirou outras vadias a fazer o mesmo
com os filhos, agora os pais quem irão se inspirar e acabar com as famílias das
vadias”, escreveu o assassino.
Para Sanematsu, do Patrícia Galvão, agora é o momento de
desviar os holofotes do discurso misógino do assassino. “O que me preocupa é
que esse discurso encontre ressonância em boa parte da população, especialmente
masculina, que também está insatisfeita, se sentindo impotente”, afirma.
Daniela Teixeira, da OAB-DF, concorda. “O que choca são as
reações, os comentários nas reportagens. As pessoas estão justificando a
atitude dele, como se a mulher devesse ser responsabilizada.”
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