Depois de mais de três décadas nos ensinando as
virtualidades do neoliberalismo, e em muitos casos nos impondo as políticas
econômicas correspondentes (Consenso de Washington), o FMI acaba de publicar em
revista oficial estudo de três economistas de seus quadros sustentando que a
agenda neoliberal elevou a desigualdade onde foi adotada, e não promoveu o
desenvolvimento. Não sei se fico indignado, ou se aplaudo esse reconhecimento
tardio daquilo que, para nós, era óbvio: o neoliberalismo promove desemprego e
miséria.
Para não dizer que não falei de flores, registro os meus
cumprimentos pelo trabalho de Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide
Furceri. Claro, não tenho a menor dúvida de que será desqualificado pelo
ministro da Fazenda alemão, que comanda as cavalarias de ataque a qualquer
tentativa de busca de alternativa ao neoliberalismo no mundo, sobretudo na
Europa do euro. De qualquer modo, como se dizia entre os marxistas históricos,
temos que explorar as contradições internas do inimigo!
Os economistas do Fundo, na versão que li do jornal carioca
“Monitor Mercantil” – duvido que os jornalões brasileiros e a grande mídia
divulguem o documento -, afirmam que “as políticas de austeridade, que
frequentemente reduzem o tamanho do Estado, geram custos sociais substanciais,
prejudicam a demanda e aprofundam o desemprego”. É importante assinalar que
tais políticas são idênticas àquelas com que Henrique Meirelles nos ameaça de
forma a acabar de estrangular a economia brasileira.
Contudo, não consigo apagar completamente as chamas da
indignação. É revoltante que uma entidade multilateral dominada pelos países
ricos passe três décadas e meia nos dizendo que é necessário cortar gastos
públicos, fazer equilíbrio fiscal, privatizar, fazer políticas monetárias
restritivas, e condicionando seus empréstimos a cumprirmos a risca esse
receituário, surge de repente, sem maior aviso, para nos dizer: “desculpem-me,
vocês fizeram tudo certinho (haja vista a política econômica do PT), mas
estávamos errados. Mudem o foco”!
O fato é que, pelo histórico do FMI, não dá para acreditar
na eficácia de documentos desse tipo como orientador de políticas. O estudo é
uma manifestação marginal que será devidamente contestada dentro e fora do
Fundo. Terá o mesmo destino de certas manifestações anteriores aparentemente
progressistas, como a aceitação do controle de fluxo de capitais para evitar
abalos financeiros das economias, e que simplesmente jamais foram incorporadas
ao centro do receituário tradicional do Fundo.
Mesmo na hipótese de uma “vitória” intelectual nessa
questão, não devemos alimentar qualquer ilusão. O neoliberalismo, como é também
o caso das “ortodoxias” econômicas em geral, não está na esfera do
conhecimento, mas na esfera do poder. A doutrina não é imposta a nós porque é
mais “correta”, mas torna-se compulsoriamente “correta” pela relação de poder
determinada pela grande mídia, totalmente dominada pelo capitalismo financeiro
com suas práticas de agiotagem.
* * *
Acabo de assistir na tevê manifestação de um membro do TCU
sustentando a ilegalidade de aporte de recursos do Tesouro para os bancos
públicos, notadamente o BNDES. É inacreditável o nível de despreparo, de
arrogância e de imbecilidade que está prevalecendo no setor público
“concursado”. Contabilmente, a operação não gera dívida pública líquida:
cria-se um passivo no Tesouro e ativo correspondente no BNDES. Funcionalmente,
é a forma mais inteligente, tipicamente keynesiana, de reverter a recessão ou
depressão. Foi o que aconteceu em 2009 e 2010. A dar espaço para esses
burocratas partidarizados, vamos abrir mão de todos os instrumentos de reversão
da depressão e do desemprego no país.
*J. Carlos de Assis - Economista, professor, doutor pela
Coppe/UFRJ.
Via – Jornal GGN
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