O escritor paulista Raduan Nassar foi o 12º brasileiro a ser
contemplado com o Prêmio Camões, um dos mais importantes oferecidos a
escritores de língua portuguesa, em sua 29ª premiação, na última segunda-feira
(30/03). Com este feito, o Brasil se iguala a Portugal no número de escritores
premiados – também 12. Outros países lusófonos já contemplados foram Angola,
Moçambique e Cabo Verde.
Nomes respeitáveis da literatura brasileira e mundial, como
José Saramago (Portugal), Mia Couto (Moçambique), Jorge Amado, Raquel de
Queiroz, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles já receberam o prêmio.
Infelizmente, dos vinte e nove premiados, apenas seis são mulheres.
Raduan Nassar tem uma história, no mínimo, inusitada:
atualmente com oitenta anos de idade, lançou apenas três livros, sendo os dois
mais conhecidos na década de 1970, ambos adaptados para o cinema: o romance
Lavoura Arcaica (1975) e a novela Um copo de cólera (1978). Em 1997, publicou
uma coletânea de contos intitulada Menina a caminho e outros textos.
Na década de 80, recolheu-se em sua fazenda, que
posteriormente foi doada à Universidade Federal de São Carlos. Reservado e
recluso, Raduan Nassar raramente aparece em público ou dá entrevistas. Em uma
incomum aparição, no dia 30 de março, Raduan Nassar defendeu a presidenta Dilma
Roussef. “Os que tentam promover a saída de Dilma arrogam-se hoje, sem pudor,
como detentores da ética mas serão execrados amanhã”, afirmou.
O júri que lhe concedeu o Prêmio Camões, no valor de 100 mil
euros, destacou “a extraordinária qualidade da sua linguagem” e a “força
poética da sua prosa”. De fato, a prosa
extremamente poética é um traço marcante na exígua obra de Raduan Nassar.
Lavoura Arcaica conta a história de André, que escapa da
fazenda da família, conservadora, revoltando-se contra as tradições ruralistas
e patriarcais. Mais do que a história, o que prende é a escrita embriagante e
quase selvagem de Raduan Nassar. As frases, longas, arrastadas, requerem
concentração e muito, muito fôlego, como no extrato que se segue. “(…) e ele
falou que estando a casa de pé, cada um de nós estaria também de pé, e que para
manter a casa erguida era preciso fortalecer o sentimento do dever, venerando
os nossos laços de sangue, não nos afastando da nossa porta, respondendo ao pai
quando ele perguntasse, não escondendo nossos olhos ao irmão que necessitasse
deles, participando do trabalho da família, trazendo os frutos para casa,
ajudando a prover a mesa comum, e que dentro da austeridade do nosso modo de
vida sempre haveria lugar para muitas alegrias, a começar pelo cumprimento das
tarefas que nos fossem atribuídas, pois se condenava a um fardo terrível aquele
que se subtraísse às exigências sagradas do dever.”
O mesmo se pode dizer da novela Um copo de cólera: uma trama
que se passa em poucas horas; um homem e uma mulher, sem nomes nem
características físicas definidos que, após uma intensa relação sexual, têm um
acesso de cólera e passam a insultar-se mutuamente. Mais uma vez, a marca são
as frases longas e entremeadas de ideias, imagens e devaneios – cada capítulo é
composto de um parágrafo, de uma só frase, do narrador introspectivo. “sabe o
que penso de mim, comparados um com o outro? (…) confesso que em certos
momentos viro um fascista, viro e sei que virei, mas você também vira fascista,
exatamente como eu, só que você vira e não sabe que virou; essa é a única
diferença, apenas essa: e você só não sabe que virou porque – sem ser
propriamente uma novidade – não há nada que esteja mais em moda hoje em dia do
que ser fascista em nome da razão.”
O prêmio Camões é dado anualmente a “um autor de língua
portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário
e cultural da língua comum”, segundo seu regulamento. Apesar da obra parca, o
prêmio atribuído a Raduan Nassar foi mais do que merecido. Ele já nos
presenteou com sua maneira inusitada de escrever em nossa língua.
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