Nunca votei no Lula. Também não votei em Dilma. Nem em Fernando
Henrique, nem em Collor. Não votei, porque sou anarquista. O que é ser
anarquista? É ter consciência de que os sistemas de governo – todos, incluindo
a democracia e incluindo os sistemas pretensamente socialistas que tivemos na
história recente – estão sempre a serviço de alguma classe, de alguns
privilegiados. O Estado é mantido pela violência militar e policial, que pode
ser usada a qualquer momento contra o próprio povo ou contra outros povos. E
sempre a serviço de interesses de grupos. No caso da democracia atual, ela está
a serviço dos bancos, das corporações, dos lobbies, das elites locais e das
elites internacionais. Em momentos menos ruins, sobram alguns direitos a mais
para o povo. Em algumas tradições de construção estatal, com mais tempo sob influência
de ideias sociais e igualitárias, como alguns países da Europa, houve maior
oportunidade para o povo adquirir mais educação e um tanto mais de direitos –
mas que agora estão sendo retirados em toda parte.
Em todas as democracias do planeta, é o dinheiro do capital
que financia os políticos que, portanto, estão a serviço do capital. Se aqui
temos uma Odebrecht, nos EUA, temos por exemplo uma indústria bélica, com que
os governos “eleitos democraticamente” estão comprometidos até o pescoço. Já o
grande anarquista norte-americano Henry Thoreau, no século XIX, negava-se a
pagar impostos, porque o dinheiro seria usado para armamentos e guerras
expansionistas, que desde aquela época era a política externa do seu país.
Para entrar no jogo político, portanto, ser eleito, governar
e fazer acordos, usa-se dinheiro. O dinheiro corrompe princípios, compra
pessoas, atende a interesses de grupos e não aos interesses da coletividade.
Assim, nunca me iludi que o PT pudesse manter uma pureza de
vestal, ao entrar no jogo do poder e realmente governar. Por isso, nunca votei
no PT.
Mas, dentro dessa realidade de como funciona a democracia,
por que se escolheu agora fazer uma cruzada inquisitorial, para varrer a
corrupção na política? Por que se derrubou o governo Dilma e se persegue com
voracidade a pessoa do Lula? Por que Lula está sendo acusado (ainda sem nenhuma
prova e com uma orquestração odienta da mídia em peso) de ter um apartamento
triplex no Guarujá e Fernando Henrique, sob cujo governo havia os mesmos esquemas
de corrupção endêmica no Brasil, não está sendo investigado por seu apartamento
em Paris?
Por que há uma multidão no Brasil espumando de ódio contra
um homem de 70 anos, querendo sua prisão, como fanáticos inquisidores queriam
eliminar as bruxas? Por que se cuspiu na dignidade de uma mulher como Dilma,
que não teve até agora nenhum crime comprovado – quando o congresso nacional e
esse governo ilegítimo estão tomados de corruptos já mencionados em todas as
investigações em curso?
Por três motivos principais:
1) Porque por mais que os governos do PT tivessem adotado a
famosa governabilidade – que significa a composição com as forças econômicas e
políticas que desde sempre comandam o país, ainda havia nesses governos uma
preocupação com o social e um impedimento de se implementar plenamente o
programa neoliberal selvagem a que estamos sendo submetidos desde o golpe.
Acabar com todos os direitos trabalhistas, esvaziar ainda mais a já combalida
educação pública, arrancar dinheiro da saúde, da previdência e da educação, sem
mexer um milímetro com os juros exorbitantes dos bancos e com os impostos devidos
pelos ricos… Isso só poderia ser feito por um governo que não foi eleito e que
está a serviço desse projeto de neoliberalismo selvagem, que aliás é um projeto
internacional.
2) Porque enquanto esses direitos são tirados do povo, a
mídia, alimentada em primeira mão pela republiqueta de Curitiba e em conluio
com ela, montou um circo inquisitorial, em que o principal bode expiatório é o
Lula, com seu suposto e patético triplex. Oferece-se alguém ou um grupo para se
odiar, com linchamentos públicos diários, e o povo deixa vir à tona seus
instintos mais primitivos, enquanto lhe surrupiam os direitos e a nação.
Técnica muito conhecida pelos nazistas e descrita por George Orwell em ‘1984’!
Não por acaso, nesse livro é que aparece a figura mediática do Grande Irmão
(Big Brother)… Lembra alguma coisa?
3) Porque o Brasil era uma economia ascendente –
participante do Brics (grupo composto pelas chamadas economias emergentes,
Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e economias emergentes devem ser
cortadas pela raiz pelo Império dominante no planeta. Gera-se então uma crise
artificial, produz-se descontentamento popular e faz-se cair o governo que
causa incômodo àqueles que de fato mandam no mundo. E mais, o Brasil, com seus
recursos naturais de petróleo e água, não pode crescer com seus recursos. Eles
devem ser transferidos aos donos do mundo. Entre as primeiras ações do governo
golpista foi a de entregar o pré-sal ao capital estrangeiro.
E toda essa trama que parece maquiavélica e é maquiavélica
sim (aliás, uma leitura esclarecedora é ‘O Príncipe’ de Maquiavel, para vermos
como o poder se comporta em todos os tempos) é possível pela alienação do povo
e por seu desejo de odiar alguém, em que pode depositar suas frustrações e sua
agressividade. Lula é o objeto perfeito para esse ódio, porque muita gente
jamais aceitou que um operário, um “analfabeto”, chegasse ao poder…. Por isso
tantos acham normal Fernando Henrique ter um apartamento em Paris, mas babam de
raiva com um suposto triplex de Lula no Guarujá. Esse menino nordestino saiu do
lugar da senzala a que são destinados os de sua classe social. E não vi ninguém
espumando contra a Odebrecht, que participou da corrupção de todos os
governos….
E por fim, como anarquista e como espírita e cristã, não me
apraz ver ninguém, nem Lula, nem qualquer outro político, de qualquer partido,
seja José Dirceu, Sérgio Cabral ou Eduardo Cunha (de quem tinha verdadeiro
horror quando comandava o Congresso), nenhum ser humano, seja criminoso ou não,
ser humilhado, com sua dignidade arrancada. Esse sistema de suposta justiça que
temos no mundo, e ainda mais no Brasil com seu sistema carcerário indecente, é
na verdade um sistema de vingança social. Não se quer consertar a ação maléfica
e melhorar quem a praticou, mas punir sadicamente o indivíduo, satisfazendo um
anseio de extermínio do outro. Pessoas diante de um tribunal, culpadas ou não,
e pessoas encarceradas, em prisões decentes ou não, me causam compaixão e
empatia e não satisfação.
Por tudo isso e mais um pouco, digo o seguinte:
Nunca votei no Lula e nunca votei em nenhum presidente. Mas
se esse homem, que cresceu aos meus olhos, pela perseguição implacável que vem
sofrendo, conseguir sobreviver ao massacre e se levantar de novo como candidato
em 2018, terá finalmente meu voto.
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