De acordo com Ana Claudia Mielke, coordenadora do
Intervozes, narrativa de duelo criada pela grande mídia é prejudicial.
Brasil de Fato
O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao
juiz Sérgio Moro no âmbito da Operação Lava Jato foi amplamente divulgado pela
mídia brasileira nesta quarta-feira.
Entretanto, a cobertura jornalística realizada pela grande
imprensa pareceu ignorar os milhares de manifestantes em apoio ao ex-presidente
que viajaram de todas as partes do país para ocupar a cidade de Curitiba, onde
ocorria o interrogatório. Além disso, a narrativa de batalha entre Moro e Lula,
criada por grandes veículos de comunicação, pode ser considerada prejudicial
para a população.
É o que avalia Ana Claudia Mielke, coordenadora do
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, que pesquisa sobre a
democratização da comunicação no país, e conversou com a Radioagência Brasil de
Fato.
Confira a entrevista na íntegra:
Vimos nas capas das maiores revistas ilustrações de um
ringue em que Lula lutava contra Moro, qual a sua opinião sobre essa imagem
construída e divulgada pela grande mídia?
A imprensa construiu essa narrativa de confronto entre o
juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Lula, isso veio estampado na capa das duas
principais revistas semanais, a Veja e a Istoé desta semana. O problema dessa
narrativa é que o Moro é o juiz, então se ele está de um dos lados do combate
vale a gente perguntar quem é que está julgando de fato.
O juiz deveria estar ali para julgar, ele não é sequer o
autor da denúncia, quem faz é o ministério público federal, então se houvesse
um lado o outro lado deveria ser o MPF, e não o juiz destacado para julgar.
Então essa narrativa de duelo espetaculariza a informação com o intuito de
construir ou consolidar o Moro como herói, que é algo que já vem se
fortalecendo nos meios de comunicação há um tempo.
Na verdade desde o início da operação Lava Jato. Então você
faz o duelo, coloca um contra o outro, para desses dois destacar quem vai ser o
herói. Além disso, essa narrativa de confronto gera desinformação, porque as
pessoas não compreendem qual o papel da justiça no país, então contribui ainda
mais para a gente ter uma informação equivocada sobre qual o papel da justiça,
do juiz, da defesa, da acusação, que nesse caso é o MP, então é bastante
complicado que a imprensa brasileira tenha colocado a questão do interrogatório
do Lula como um confronto entre dois personagens da operação Lava Jato.
Na sua opinião, como foi construída a cobertura específica
do depoimento de Lula na grande mídia?
Acho que a cobertura dos telejornais, até pelo tempo em que
foi feita a edição e o tempo em que o vídeo foi disponibilizado para que os
telejornais pudessem mostrar os trechos, acabou não dando muita margem para que
eles construíssem uma narrativa específica sobre o interrogatório. Então eu
achei que de alguma forma a apresentação dos poucos trechos se deu de forma
bastante objetiva.
Agora o que me impressionou nos telejornais ao longo do dia
de ontem é justamente a tentativa de invisibilizar a presença de manifestantes
apoiadores de Lula em Curitiba. O tempo todo os jornais mostravam um enorme
aparato policial montado lá no Fórum onde o Lula prestou o depoimento, mas em
momento algum explicavam porque o aparato havia sido montado. E ele foi montado
justamente porque havia o indicativo de um grande contingente de pessoas se
deslocando de vários locais do Brasil para prestar apoio ao ex-presidente.
E nesse ponto vale citar um caso do jornal das 22h, da
Globonews, embora não seja uma emissora aberta, em que o apresentador Dony De
Nuccio tenta explicar com suas próprias palavras porque tinha bem mais gente na
manifestação de apoio ao Lula do que nas imagens que mostravam alguns gato
pingados defensores da Lava Jato. Então foi um dos episódios mais vergonhosos da
cobertura de ontem.
Edição: Anelize Moreira
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