Três dias depois que a TV Globo deu a impressão de que seria
capaz de derrubar o presidente da República com uma simples denúncia no Jornal
Nacional, a excitação na cúpula da pirâmide que manda no país desde o golpe de
maio-agosto parece ter diminuído.
Verdade que, marcados para este domingo, os protestos
"Fora Temer, Diretas-Já", irão retomar a luta necessária em defesa da
democracia, no combate a reforma trabalhista e pela defesa da Previdência.
A novidade não se encontra na base da sociedade, cuja mobilização
contra Michel Temer e seu governo avança num crescendo desde o carnaval,
atingindo seu ápice na greve geral de 28 de abril. A mudança ocorreu na cúpula.
Em 72 horas, o ambiente de apocalipse - a palavra favorita
era tsunami - foi substituído por uma postura de calmaria, dúvida e ponderação.
As especulações em torno de possíveis sucessores de Temer também silenciaram.
Uma explicação é que os diálogos gravados por Joesley
Batista não produziram a bala de prata que, supunha-se, deveria fulminar o presidente.
Falso. Mesmo reconhecendo que o Jornal Nacional não foi
capaz de entregar um golpe de misericórdia contra Temer, apresentou diálogos
comprometedores, que denunciam uma postura de conivência com esquemas
vergonhosos de corrupção no governo. Coisa mais do que suficiente para
justificar - como ocorre - uma investigação sobre três crimes, de corrupção
passiva, obstrução da Justiça e participação em organização criminosa.
Denúncias graves, em qualquer lugar. Particularmente sérias quando se recorda que
Dilma Rousseff foi afastada por uma manobra contábil, as "pedaladas
fiscais," que sequer são classificadas como crime de responsabilidade que
a Constituição exige para o afastamento de quem ocupa a presidência da
República.
A explicação real é outra e não se encontra num possível
tropeço do jornalismo da TV Globo, mas numa questão política maior.
Imaginada como uma operação política de emergência, quando
chefes de governo são destituídos com tanta rapidez que a população só consegue
saber o que aconteceu no dia seguinte, quando nada mais pode ser feito, os
articuladores da queda de Temer se esqueceram do essencial - combinar com o
povo, o mesmo que estará nas ruas amanhã neste domingo e parece não sossegar há
algum tempo.
Explica-se. Uma mudança desse tipo, às costas do eleitor, só
pode dar certo quando se limita aos salões exclusivos do poder. Essa situação,
que exige controle absoluto de cada movimento e de cada personagem da cena
política, permite uma troca de guarda sem atropelos nem inconveniências.
Possivelmente por ignorar o grau de descontentamento real
dos brasileiros contra o governo Temer, a operação começou a dar errado em
poucos minutos.
Na própria noite de quarta-feira, antes do tradicional
"Boa Noite" dos apresentadores do Jornal Nacional, já era possível
ouvir os primeiros gritos de "Fora Temer" nas grandes cidades do país
inteiro. Logo, também se ouviria o batuque de panelas nas janelas dos
edifícios.
Na avenida Paulista, um ato público do Povo Sem Medo,
liderado por Guilherme Boulos, logo seria engrossado por militantes ligados à
Central de Movimentos Populares, da CUT, do Partido dos Trabalhadores, do PSOL
e do PSTU.
Outros protestos se espalharam pela madrugada e também pelos
dias seguintes, demonstrando uma situação clássica das grandes crises políticas
que podem gerar mudanças ainda maiores. Ao descobrir um sinal de ruptura nas
cúpulas, o movimento popular aproveita o espaço para expressar sua
insatisfação, levantar seus direitos e reivindicações. Não só exigiu diretas-já
mas também deixou clara a disposição de lutar na rua contra reformas que
ameaçam seus direitos e o futuro de suas famílias.
Em grandes montadoras do ABC paulista, referência de
resistência operária desde os tempos da ditadura militar, operários gravaram
vídeos onde gritam "Fora Temer, Diretas-já!"
Para quem esperava responder à queda de Michel Temer - vista
como inevitável - numa sucessão fechada, entre sócios do clube da elite
brasileira, ocorreu o pior cenário possível.
Mesmo apanhado de surpresa, o povo foi à rua, inconformado
em ser deixado para trás numa decisão que diz respeito a sua existência, seu
futuro e sua soberania.
Aliados de primeira hora do golpe que derrubou Dilma, como
Ronaldo Caiado, pularam do barco e engrossam o coro pelas diretas-já.
Foi assim que o golpe dentro do golpe transformou-se em
fiasco. Na origem, o movimento tinha dois objetivos conectados. Um deles,
trocar de presidente. O outro, escolher o sucessor por via indireta, atalho
para preservar o plano de reformas que prevê duas décadas de austeridade, corte
nos programas sociais e desnacionalização em toda linha.A reação popular, mesmo
embrionária, em alguns casos simbólica, mostrou que até se poderia derrubar
Temer - mas seria impossível adivinhar o que viria a seguir.
Foi assim - e não porque haja convicção quanto a sua
inocência - que o próprio Michel Temer foi duas vezes a TV no prazo de 24
horas. Na primeira, defendeu-se. Na segunda, atacou. Mas foi um esforço inútil.
Ao examinar um habeas corpus em que Temer pedia o trancamento das investigações
que podem produzir sua ruína, o ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, rejeitou
o pedido. "Não enxergo nenhuma ilegalidade flagrante ou abuso de poder que
autorize a concessão do pedido," escreveu Barroso.
Via - Brasil 247
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