Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de
arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos
no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O
problema é que as receitas também cresceram muito menos — 2,2% no primeiro
mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No
ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação
caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia
mais 4,8%.
A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica
e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas
pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem
pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na
mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de
dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação.
A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as
despesas.
A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa
alta taxa de juros — que explica uma parte muito maior do crescimento da
dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da
taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros
sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo — uma jabuticaba
brasileira.
A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das
despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver
crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá
de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a
crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a
dívida.
2. A PEC é necessária no combate à inflação?
Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da
inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços
administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica…). Hoje, a
inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego
aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as
atas do BC.
3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não
gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa
crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os
indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não
se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam
queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada
para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?
Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos
investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em
nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro
público?
Para melhorar a eficiência é necessário vontade e
capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A PEC apenas
perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido. Tais
conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder econômico e político.
Alguns setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o
preço.
5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um
percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo
crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano
anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o
governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os
benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da
inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência
(mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras
despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em
saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda
vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por
exemplo, pois a população cresce.
Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que
sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e
tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se
o país crescer…
6. Essa regra obteve sucesso em outros países?
Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns
países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para
alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros
indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua
Constituição.
7. Essa regra aumenta a transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras
fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes.
Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem
acabar ocorrendo com mais frequência.
O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e
planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma
lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos
de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais pobres?
Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a
provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento
que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o
teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como
boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra
atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real
– mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar os que mais têm
poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta
programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum
alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os
mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.
9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir
as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas
parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do
Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar
investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a
PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos
sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus
rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das
desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para
investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do
crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.
Artigo colhido no sítio
https://ninja.oximity.com/article/Desmontando-a-PEC-241-em-10-etapas-1?faid=1109589
Saiba mais:
Sítio eletrônico reúne estudos e material informativo sobre
a PEC 241
O site Marxismo21 organizou um amplo material crítico à PEC
241. O dossiê “A PEC 241 e o desmonte do Brasil” contém uma qualificada e
diversificada quantidade de materiais, tais como: pesquisa de opinião,
informações sobre manifestações, campanhas e notas públicas de importantes
entidades contra a PEC 241, estudos, pareceres técnicos e artigos produzidos
por entidades, intelectuais e militantes progressistas, assim como vídeos
didáticos e de análise crítica à proposta do governo.
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