Enquanto ganhou muita grana na fase de crescimento da
economia, a elite burguesa topou o chamado “pacto lulista” – mesmo detestando,
por questões de classe, o peão que chegou à presidência do país.
Com o impacto da crise capitalista mundial no Brasil, porém,
ela rompeu o acordo e passou a apostar abertamente na desestabilização
econômica e no caos político. Está no DNA da burguesia a aversão à democracia!
A presidente Dilma sentiu na carne os efeitos deste ódio de classe – apesar de
ter tentado, erroneamente, compor com este rebotalho. O golpe do impeachment, a
exemplo do golpe militar de 1964, foi orquestrado e financiado por esta elite
empresarial asquerosa e covarde.
Prova desta atitude traiçoeira encontra-se na entrevista
concedida ao Estadão desta quinta-feira (17) pelo dono do Grupo Riachuelo,
Flávio Rocha, um dos que acumulou fortunas com o aquecimento do mercado interno
de consumo e depois apostou suas fichas – e, talvez, muita grana – nas marchas
golpistas pelo “Fora Dilma”. Metido a teórico, ele afirmou: “O livre mercado é
a melhor maneira de distribuir riqueza e o inchaço do Estado, a pior maneira de
concentrar riqueza. O mito do Estado Robin Hood a Dilma acabou de desmoralizar.
O socialismo é uma saga tão terrível que, de tempos em tempos, ela ressuscita
como zumbi, como agora, nessa última vez, na forma do populismo bolivariano,
que fez um estrago imensurável em tantas economias ricas da América Latina”.
De zumbi, o ricaço realmente entende. Basta visitar as
fábricas que produzem as roupas para sua rede de lojas no país. O brilhante
“teórico” poderia ter aproveitado a entrevista ao Estadão para explicar as
denúncias que pesam contra o Grupo Riachuelo pela exploração de trabalho
análogo à escravidão – o que talvez ajude a explicar porque ele detesta o
“Estado Robin Hood” e o “populismo bolivariano” e tenha participado ativamente
do golpe dos corruptos. Sobre este escândalo, o jornalão oligárquico nada
perguntou ao amante do “livre mercado”. Para ajudar o leitor – inclusive o que
ainda consome nas lojas do golpista Flávio Rocha – reproduzo abaixo uma recente
matéria do site Repórter Brasil:
*****
Condenação do grupo Riachuelo revela o adoecimento das
trabalhadoras da moda
Por André Campos e Ana Aranha – 27/01/2016
Costureira relata abusos físicos e psicológicos para cumprir
metas. Caso revela problemas do sistema “Fast Fashion”, que piora as condições
de trabalho no setor.
O grupo Riachuelo foi condenado a pagar pensão vitalícia a
uma de suas ex-funcionárias em mais uma ação que revela as precárias condições
de trabalho impostas às costureiras que produzem para as grandes marcas da
moda. A condenação descreve um ambiente de trabalho em que a exigência de metas
de produção ocorria mediante abusos físicos e psicológicos. Segundo seu relato,
a costureira era pressionada a produzir cerca de mil peças de bainha por
jornada. A meta, por hora, era colocar elástico em 500 calças ou costurar 300
bolsos. Na ação, a funcionária diz que muitas vezes evitava beber água para
diminuir suas idas ao banheiro. Idas que, segundo ela, seriam controladas pelo
encarregado mediante o uso de fichas.
A ação foi contra a Guararapes Confecções, indústria de
roupas do grupo Riachuelo, condenada a pagar uma pensão vitalícia à costureira
lesionada devido às atividades exercidas na empresa. A ex-funcionária
desenvolveu Síndrome do Túnel do Carpo, que provoca dores e inchaços nos
braços. A ação aponta que a trabalhadora teve a sua capacidade laboral diminuída
devido ao ritmo de trabalho exaustivo demandado pela fábrica potiguar, onde são
confeccionadas peças de roupa vendidas pelas lojas da Riachuelo.
O Tribunal Superior do Trabalho definiu, em dezembro de
2015, que a Guararapes deve pagar o equivalente a 40% da última remuneração da
costureira enquanto durar a incapacidade, além de 10 mil reais a título de
indenização. A pensão vitalícia pode se prolongar até que ela complete 70 anos.
Outro abuso relatado no processo, que teve início em 2011,
foi o atendimento médico dentro da fábrica. Ao se dirigir à enfermaria da
empresa com sintomas de Síndrome de Túnel do Carpo, a trabalhadora conta que
era medicada com analgésico e recebia a determinação de retornar ao trabalho.
Em resposta à reportagem, a Guararapes afirmou que cumpre a
aplicação da jornada de trabalho prevista na lei. “Além disso, a companhia
conta com auditoria interna em todas as suas operações, com o objetivo de
monitorar o cumprimento do Código de Ética e os horários de trabalho de acordo
com a legislação”.
Sobre o controle às idas ao banheiro mediante fichas, a
empresa diz que “não adota essa política e não compactua com a prática” (leia
aqui as respostas da empresa na íntegra).
Migração às inversas
A condenação reforça uma série de constatações sobre
violações trabalhistas dentro da fábrica do grupo Riachuelo pelo Ministério
Público do Trabalho (MPT). Em 2012, o órgão ajuizou uma ação contra a
Guararapes cobrando multa de R$ 27 milhões por descumprimento de normas de
saúde e segurança na fábrica. Anos antes dessa ação, devido ao grande número de
lesões por esforço repetitivo, um acordo fora firmado entre a empresa e o MPT.
Nele, a empresa se comprometia a fazer adequações nas instalações, máquinas e mobiliário.
No entanto, uma fiscalização conjunta do MPT e do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE) constatou o descumprimento do acordo, incluindo
máquinas inadequadas, banheiros fechados, calor excessivo, baixa iluminação do
ambiente de trabalho.
Os depoimentos colhidos pelos fiscais do trabalho corroboram
a denúncia feita pela costureira que ganhou a ação individual contra a empresa:
os relatos descrevem as limitações de idas ao banheiro, não recebimento de
atestados médicos válidos e falta de realização de exames médicos periódicos.
Ainda em 2012, foi firmado um acordo de conciliação entre o
MPT e a Guararapes no qual a empresa se comprometeu a pagar multa de R$ 3
milhões para encerrar a ação. Nesse novo acordo a indústria assumiu novas
obrigações. Entre elas, aceitar os atestados de funcionários emitidos por
médicos do SUS ou particulares, mesmo que eles não integrem o plano de saúde da
empresa. O pagamento da gratificação de produtividade e a cesta básica também
foram estendidos aos trabalhadores afastados ou que faltem por problemas de
saúde.
De acordo com o CEO da Riachuelo, Paulo Rocha, a decisão de
terceirizar a atividade de costura, a partir de 2013, deve-se em parte à
fiscalização trabalhista. “Tivemos que assinar um acordo com 40 cláusulas absolutamente
leoninas. Isso feriu de morte a competitividade (da fábrica)”, diz o CEO da
Riachuelo, Paulo Rocha, em entrevista concedida à Repórter Brasil em dezembro.
“Foi quando o meu pai [Nevaldo Rocha, fundador do grupo] nos disse: ‘vocês
estão liberados, produzam onde quiserem.’”
Para alguns, é preciso ter cuidado com o argumento de que a
terceirização é uma consequência da fiscalização. “Acredito ser mais uma “boa
desculpa” que o real motivo pelo qual a empresa tomou essa medida”, afirma
Renato Bignami, auditor do trabalho e doutor em direito do trabalho pela
Universidade Complutense de Madrid.
As consequências da terceirização foram investigadas pela
Repórter Brasil em matérias publicadas em dezembro de 2015, quando a reportagem
visitou as oficinas no sertão do Rio Grande do Norte e encontrou costureiras
fazendo longas jornadas, ganhando salários menores e recebendo menos benefícios
do que os funcionários da indústria na capital.
Enquanto as costureiras terceirizadas no sertão recebem R$
793 por mês, as costureiras da capital não ganham menos do que mil reais,
revela Maria dos Navegantes, presidente do sindicato das costureiras. Além
disso, na capital elas recebem benefícios como cesta básica e plano de saúde.
O crescimento da terceirização na indústria de roupas pode
aumentar o número de doenças ocupacionais e acidentes, afirma o juiz Alexandre
Érico Alves da Silva. “No Rio Grande do Norte, a maioria das costureiras que
trabalham já há algum tempo na profissão estão adoecendo”, diz ele. “Tendo em
vista que a estrutura dessas facções [pequenas oficinas terceirizadas] é muito
mais carente do que a das grandes empresas, a perspectiva é a de que isso
permaneça e até se eleve”.
De acordo com o juiz, que coordena o Programa Trabalho
Seguro do Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Norte, doenças
laborais representam entre 30% e 40% das ações recebidas pela Justiça do
Trabalho local. A maioria, segundo ele, está relacionada à indústria têxtil.
Os efeitos da “Fast Fashion”
A estratégia da Riachuelo no sertão brasileiro segue a
lógica de grandes marcas do mundo todo: a “Fast Fashion”. Segundo esse modelo,
as peças devem ser produzidas com agilidade, de modo a responder por demandas
instantâneas da moda, e devem resultar em grandes quantidades de peças acessíveis
para a classe média.
Por que exige picos de produção acelerada, esse modelo
frequentemente demanda muitas horas extras e pode elevar os problemas de saúde
das costureiras. Invertendo as prioridades da legislação trabalhista, ele impõe
um sistema mais “flexível” em que os trabalhadores são obrigados a se adaptar
ao ritmo do mercado.
Para Renato Bignami, o maior impasse na tentativa de regular
este sistema é justamente o fundamento sobre o qual ele opera, o da
flexibilidade. “Primeiro, o modelo é baseado na lógica de que se deve trabalhar
mais horas extras em ocasiões de pico e menos horas durante a letargia
produtiva. Segundo, os salários devem ser diretamente relacionados com a
produtividade: se produzir, ganha, se não produzir, não ganha. E, por fim,
rejeita-se qualquer tipo de responsabilidade jurídica [das empresas que
terceirizam] nesse rearranjo, como falta de pagamento, horas extras, licenças
por gravidez, por doença profissional, etc”.
Garantir os direitos trabalhistas dentro do Fast Fashion é
um desafio para a indústria da moda do mundo todo. Para Bignami, a solução
passa pelo fim da terceirização da atividade principal da indústria, que é
justamente o corte e a costura das peças.
“O segredo estaria em uma fórmula que garanta segurança do
contrato de trabalho com fórmulas que facilitem a rápida resposta de produção”,
afirma. “Não é fácil. Ainda assim há experiências sendo levadas adiante, em que
se busca uma maior previsibilidade de compras, maiores prazos para produzir as
peças e melhor preço, relacionado com a qualidade da produção”.
Via - Blog do Miro
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