O jogo já havia acabado. A filha de Renato Gaúcho estava no
túnel. O técnico a chamou para dentro de campo. Ela entrou e abraçou o pai,
apenas isto. Não agrediu ninguém, não atrapalhou nada. O Grêmio perdeu – e
recuperou - o mando. A garota foi hostilizada. Claro, “a culpa é da mulher”.
Efetivamente, a culpa da perda relâmpago do mando de campo
na final da Copa do Brasil contra o Atlético-MG, bem como da multa de R$ 30
mil, foi da 4ª Comissão Disciplinar, que tomou a decisão. Exagerada, por sinal.
Opinião compartilhada pelo STJD, que aceitou o recurso gremista e concedeu
efeito suspensivo, liberando o estádio.
Problema resolvido, certo? Errado. Não foi resolvido o fato
da garota, Carol Portaluppi, ter sido culpada erroneamente e ser vítima de
insultos e acusações, muitas das quais, de teor machista.
A impressão que dá é que os misóginos ficam de plantão, só
esperando uma oportunidade para sentenciar as mulheres e vomitar o seu ódio.
Sobretudo no futebol, que eles consideram como território exclusivamente
masculino, como se a presença feminina fosse uma invasão, algo que atrapalhe.
E se fosse um filho abraçando o pai? Seria “piranho”, “puto”
e afins? Não. Talvez fosse “viado”, “bichona” e adjetivações análogas, a outra
faceta do mesmo machismo.
No futebol: a culpa é da mulher
A bandeirinha Ana Paula Oliveira anulou equivocadamente dois
gols do Botafogo na semifinal da Copa do Brasil de 2007. Antes dela,
bandeirinhas do sexo masculino anularam gols legítimos. Depois dela,
bandeirinhas do sexo masculino anularam gols legítimos. Mas a reação ao erro
dela foi desproporcional.
O futebol feminino não tem grande investimento e mesmo
assim, Marta foi eleita cinco vezes a melhor do mundo, feito que nenhum homem
alcançou. Cada vez que as garotas perdem uma competição, se multiplicam os
comentários pejorativos. Antes delas, a Seleção masculina perdeu competições.
Depois delas, a Seleção masculina perdeu competições. Mas nas mulheres fica
difícil apostar.
Muitos torcedores gremistas cometeram o crime de racismo com
o goleiro Aranha, em 2014, inclusive negros. A atitude inaceitável, porém, foi
personificada em uma mulher, como se só ela tivesse gritado. A reação coletiva?
Ofendê-la com adjetivos misóginos. E ficar com consciência tranquila por
combater o racismo, com o machismo.
Na sociedade: a culpa é da mulher
Segundo o Datafolha, um terço dos brasileiros culpam as
vítimas pelos estupros e 42% dos homens concordam com a frase: “A mulher que
usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada” - pasmem, 32% das
moças, também! São cerca de 50 mil casos de estupro no Brasil, média de um a
cada 11 minutos (fonte ‘Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres’). É mais,
pois muitos casos não são denunciados.
A mulher também é culpabilizada quando sofre agressão de
gênero ou é vítima de feminicídio. O apresentador Faustão disse que algumas
“gostam de homem que dá porrada” e o Padre Fabio de Melo, que “o agressor só se
torna agressor porque a vítima o autoriza”. Sem falar dos anônimos, que
contribuem para os números alarmantes: a cada cinco minutos, uma mulher é
agredida por homem e a cada duas horas, uma é assassinada.
Fora as situações cotidianas: se a moça é assediada no
trabalho, é porque “deu mole” para se promover. Se for na rua, “foi só um
elogio”. Se ela trai, é porque “não presta”. Se é traída, é porque “o homem
teve que buscar na rua o que estava faltando em casa”. Se ela é a amante,
“destruiu um lar” - embora seja o marido que tenha jurado fidelidade à esposa.
Não adianta: a culpa sempre é atribuída à mulher.
Parem de culpar as mulheres!
É fundamental que as mulheres não tomem para si esta culpa.
Que a Carol saiba que se o Grêmio fosse punido, não seria por sua causa. Que a
bandeirinha Ana Paula se perdoe, porque errar é humano. Que as meninas da
Seleção compreendam que se vence e se perde. Que as torcedoras não sejam jamais
racistas, mas também nunca aceitem o machismo.
O Poder Público precisa ter atuação mais enfática. Estupro é
crime, não importa a roupa da moça. Violência de gênero é crime, não importa o
que a garota tenha feito. Feminicídio é crime e tem que ser intolerado. Assédio
é crime, não importam as acusações de exagero.
O futebol não é território masculino, nunca foi e nunca
será. As moças vão continuar disputando seus campeonatos, tomando as
arquibancadas, se inserindo em todos os espaços. Sem pedir permissão, sem pedir
desculpas. E os machistas vão ter que aceitar. Porque, se algo der errado, que
fique claro: a culpa não é das mulheres.
*Comunista, jornalista com passagem pelo jornal Lance!
Via - Portal Vermelho
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