O ministro Henrique Meirelles mandou para o Congresso uma
peça de ficção de 26 páginas artisticamente encadernadas e com um longo anexo
de perguntas e respostas a fim de justificar a PEC-55. Qualquer pessoa que
tenha um mínimo de bom senso pode se dispensar de ler o papelório e
concentrar-se exclusivamente na página 21, sob o título "Como o
reequilíbrio das contas ajudará na retomada do crescimento econômico".
Vejamos, uma a uma, cada efeito que Meirelles anuncia em
relação à nova PEC. No total são seis. Trata-se da essência do que o governo
espera da aprovação da medida. É claro que se algum deles não funcionar, mas os
outros funcionarem, teremos um resultado razoável. A economia, todos sabemos,
não é uma ciência exata. Entretanto, que tal se todos os resultados são a mais
acabada falácia, produto exclusivo da imaginação de Meirelles? Veja-se uma a
uma.
1.Primeiro efeito da PEC, segundo Meirelles: "Aumento
da confiança"
Nada mais falso. Não é o reequilíbrio das contas que ajudará
na retomada do crescimento econômico, mas a existência de demanda efetiva na
economia, isto é, o fato de os consumidores terem renda, emprego e disposição
para comprar. O investidor produtivo tem em vista o mercado, não as intenções
do Meirelles ou sua demagogia neoliberal mistificadora. Enfim, confiança
empresarial é efeito do crescimento econômico, não a causa.
2. Segundo efeito: "Retomada do investimento
privado."
Outra ficção, ligada à primeira. Como eu, investidor, vou
investir se a economia está numa depressão de cerca de 8% acumulados em dois
anos, a taxa de desemprego alcança quase 12% e a renda está em queda? Vou
investir em produção e quem vai comprar? Na verdade, a confiança que se está
construindo é exclusivamente para os especuladores financeiros que não dependem
de demanda de produtos e serviços, mas da disposição do governo de pagar juros
escorchantes sobre a dívida pública, objetivo último da PEC.
3. Terceiro efeito: "Crescimento econômico."
Não há a mais remota possibilidade de algum crescimento
econômico resultar de um regime fiscal de congelamento de gastos correntes e de
investimento. Crescimento econômico, numa situação de depressão como aquela em
que estamos, exige ampliação de gastos fiscais, seja gastos correntes, seja de
investimentos. Essa é a primeira lição de uma economia estimulada por métodos
keynesianos. O efeito de crescimento do déficit fiscal é imediato, como se
reconhece no próprio documento de Meirelles, só que mascarado por um raciocínio
falacioso sobre o aumento da dívida, que na verdade cai como relação ao PIB.
4. Quarto efeito: "Emprego e renda."
Outra absoluta falácia. Emprego e renda são resultantes de
uma economia em crescimento e só aparecem na primeira fase de um processo de
expansão quando devidos a uma política deliberada de gastos públicos
deficitários, nunca do congelamento de despesas fiscais. Já o crescimento
derivado da ampliação de gastos públicos deficitários contribui para a expansão
do emprego e da renda, gerando um círculo virtuoso de crescimento da economia,
e reduzindo a relação dívida/PIB.
5. Quinto efeito: "Mais recursos disponíveis para
investimento e consumo."
É inteiramente falso. Na medida em que o setor público
congela os gastos orçamentários, é imediatamente reduzida a demanda de bens e
serviços do próprio setor público sobre a economia privada, congelando as
oportunidades de investimento e consumo reais, não financeiros. Se a economia
está em depressão, como é o nosso caso, o setor privado, mesmo que tenha
recursos disponíveis para investimentos – como de fato tem, aplicados na dívida
pública -, não realiza investimentos reais porque não tem demanda, conforme
mencionado.
6. Sexto efeito: "Queda de juros estrutural."
Esta é a mãe de todas as falácias. A taxa básica de juros,
chamada Selic, nada deve às forças de mercado ou como o regime fiscal proposto
por Meirelles mas obedece exclusivamente às determinações do Copom, que por sua
vez condiciona as decisões do Banco Central. É o Banco Central, em última
instância, que determina a taxa de juros. E na prática ele obedece às
determinações do mercado financeiro especulativo, comandado pelo Itaú e
Bradesco. Afirmar que a taxa de juros "estrutural" – aliás, não se
sabe o que é isso – vai cair por conta do regime fiscal proposto é enganar a
sociedade brasileira e preservar uma política monetária criminosa.
Conclusão
Se as postulações de Meirelles são todas falsas, quais são,
afinal, os objetivos ocultos contidos na PEC-55? Em síntese, trata-se de dar o
passo final na construção do Estado Mínimo, conforme a pressão constante sobre
a economia brasileira exercida pelos formuladores do Consenso de Washington. Para isso, é
fundamental destruir o incipiente estado de bem estar social que construímos a
fim de garantir espaço para a especulação financeira, o que se constata pela
proposição de congelamento dos direitos sociais previstos na Constituição e o
silencia absoluto em relação a medidas para gravar tributariamente o sistema
financeiro.
Embutido nessa PEC está igualmente o propósito de reverter o
processo de industrialização brasileira de forma a nos tornar uma economia
exclusivamente agro-exportadora, com o mínimo de mão de obra e salários
relativamente mais baixos, e com fraca contribuição ao mercado interno que, de
outra parte, se considerará dispensável tendo em vista a forte concentração de
terras (inclusive em mãos estrangeiras) e produção a ser exportada. A
manipulação financeira, ao final, há de coroar, no modelo Meirelles, a
desestruturação da indústria como conseqüência de uma política cambial
assassina da produção interna.
Enfim, o que o Governo espera caso a PEC-241/55 seja
aprovada? De acordo com o documento enviado pelo ministro da Fazenda ao
Congresso para explicar a medida, há uma imensa desproporção entre o proposto e
o desejado. Na realidade, usando uma linguagem franca, pode-se dizer que a PEC
pode ser divida em três componentes básicos:
1.um componente de pura ignorância do funcionamento da
economia, a saber, a idéia tosca de que cortando gastos públicos a economia
volta a crescer; recorrentes lições históricas, desde o New Deal nos Estados
Unidos e do Novo Plano da Alemanha, ambos na década de 30 do século passado,
mostram exatamente o oposto, ou seja, em depressão é fundamental recorrer ao
aumento do gasto público deficitário para estimular a retomada da economia;
2. um componente de crueldade, a saber, a tentativa de impor
a carga do ajuste exclusivamente sobre os pobres, ficando os ricos com todas as
vantagens da especulação financeira, intocada pela PEC;
3. e um componente de extrema imbecilidade, na medida em que
os cortes nos gastos públicos determinam uma espiral descendente de queda no
PIB, aumento do desemprego, e o próprio aumento da dívida pública em relação ao
PIB, contrariando o principal objetivo explícito da medida para atrair a
confiança do empresariado.
Eu tenho fé que o Senado Federal vai refletir e derrubará
esse disparate.
Em vídeo: Roberto Requião no Twitter: "Eles
endoidaram.os brasileiros não podem aceitar esta loucura":
https://mobile.twitter.com/requiaopmdb/status/793458742780100610
Via – Jornal GGN
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