Apesar de muito se dedicar à sua tese de doutorado
“Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à
infância no Brasil (1930-1945)”, o historiador Sidney Aguilar não tinha maiores
pretensões senão entregar à sociedade o conteúdo de achados de extrema
gravidade.
Ao pesquisar a época do Estado Novo, nas décadas de 1930 e de 1940,
o autor descobriu que 50 meninos, na maioria negros, com idade entre nove e 11
anos, foram retirados de um orfanato do Rio de Janeiro e levados a uma fazenda
no interior de São Paulo. Lá eles viveram o pesadelo do trabalho escravo na
lavoura, sem remuneração e com castigos físico e psicológico.
A tese, defendida na Faculdade de Educação (FE) em 2011 sob
orientação da professora Ediógenes Aragão, deve virar livro ainda este ano e
acaba de gerar um documentário que foi batizado de Menino 23 - infâncias
perdidas no Brasil, de Belisário Franca, com 81 minutos de duração. Nos últimos
dias, Aguilar foi informado de que o documentário agora disputa indicação ao
Oscar 2017 nessa categoria, ao lado de 145 longa-metragens. O resultado será
divulgado no dia 24 de janeiro. “Nossos trabalhos são produções de muitas mãos,
coletivo. Já foi lançado em julho e passou pela USP, Ipea, outras
universidades, movimentos sociais e Comissão da Verdade, entre outras
instituições”, ressalta.
O filme tem continuidade, pois os debates já vinham
acontecendo, afirma o historiador. “Construímos uma base crítica. Esse trabalho
teve um pé na academia, mas também encontrou aspectos de alto valor social e
histórico. E isso foi levado para o filme, por meio de reflexões sobre a
história da infância em situação de risco social”, sublinha. A tese já tinha
recebido o Prêmio Capes de Teses em 2011.
Menino 23 teve pré-estreia mundial no mês de junho na Mostra
Competitiva Ibero-Americana de Longas-Metragens do 26º Cine Ceará, em
Fortaleza. Foi ainda selecionado para o Festival Encounters, na África, sendo
exibido em Johannesburg e Cape Town. É uma produção da empresa Giros. A
coprodução é da Globo Filmes, Globo News e Canal Brasil, com patrocínio do BNDES.
A distribuição é da Elo Company.
O projeto de Aguilar começou quando, em uma de suas aulas,
uma aluna contou que, na fazenda onde vivia, em Campina do Monte Alegre, foram
encontrados tijolos marcados com a suástica nazista, adotada por organizações
militares e nacionalistas, que depois foi transformada em símbolo do regime
nazista. O pesquisador se instalou nesse município. Ali teve contato com os
primeiros indícios de se tratar de uma simbologia nazista presente na
propriedade rural em um contexto de simpatia aos ideais de racismo e
autoritarismo no Brasil.
Sidney seguiu a pista e chegou a dois sobreviventes dessa
exploração: Aloísio Silva (o “menino 23”) e Argemiro dos Santos (o
"Dois"). Eles eram chamados por números e no documentário falaram de
suas histórias pela primeira vez. Pouco tempo depois, Aloísio morreu, aos 93
anos. Entre os relatos, soube-se que Argemiro fugiu daquela fazenda, morou nas
ruas de São Paulo, foi engraxate e hoje, com mais de 90 anos, mora em Foz do
Iguaçu. Os meninos que foram trabalhar na fazenda lá permaneceram por quase dez
anos.
Para Sidney, docente da Universidade Salesiana (Unisal), o
momento mais emocionante do processo de elaboração da tese foi quando ele levou
Aloísio de volta ao orfanato onde viveu no Rio de Janeiro. Outro momento de
grande comoção foi quando ele encontrou os documentos que deram sustentação à
sua tese.
Ele conta que os documentos, tijolos e fotos da pesquisa estão agora
sob a guarda do Arquivo Edgar Leuenroth (AEL) da Unicamp. Veja texto publicado
na edição 536 do Jornal da Unicamp, quando a tese foi Prêmio Capes, e assista a
um trailer do documentário. Os interessados terão ainda a chance de assistir ao
documentário no próximo dia 21, das 14 às 18 horas, no auditório da Associação
dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), seguido de um debate de pesquisa. Veja a
programação.
Via UNICAMP
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