"O Brasil é o país que mais mata jovens no mundo",
diz Julio Ludemir, idealizador da Flupp.
Acontece até domingo (13) a Festa Literária das Periferias
(Flupp) que, em sua quinta edição, comemora os 50 anos da Cidade de Deus,
comunidade situada na zona oeste do Rio de Janeiro. Mais de 100 autores de 20
países discutirão temas como racismo, machismo e homofobia. Além do aniversário
da comunidade, a feira tem como homenageado o escritor Caio Fernando Abreu.
Outra novidade será a utilização de "óculos de realidade virtual"
para contar a história de jovens mortos nas favelas do Rio de Janeiro.
Ao contrário de outros eventos literários, como a Bienal do
Livro e a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que oferecem sempre
uma grande atração e são focados mais em autores, o escritor Julio Ludemir, um
dos idealizadores da Flupp, disse à Agência Brasil que a festa das periferias se
destaca por inventar, a cada edição, uma “bossa” diferente.
Em 2012, quando surgiu, a Flupp criou a possibilidade de
associar a produção de livros ao festival, revelando autores das periferias. A
partir de 2014, foi criado o 'poetry slam', que são competições de poesia
falada. No ano passado, foi promovida uma gincana literária, envolvendo alunos
de escolas do ensino fundamental.
Este ano, Ludemir disse que a Flupp está “radicalizando” no
trabalho de criação da memória da favela. “A gente entendeu que a favela tem um
grande desejo de registrar a sua memória”. Isso tem sido feito por meio de
relatos de moradores mais antigos, chamados moradores-fundadores. A partir
desses depoimentos têm sido criadas histórias em quadrinhos contando a história
de cada um deles. Os autores das histórias em quadrinhos concorrerão ao Prêmio
Flupp HQ. Além de ter a obra publicada, o vencedor, que será escolhido entre
candidatos brasileiros e estrangeiros, ganhará passagens para conhecer o
Festival de Desenhos Animados de Angoulême, na França, em 2017.
Além de exposição sobre o cinquentenário da Cidade de Deus,
a edição 2016 da Flupp apresenta outra novidade, que é o uso da tecnologia de
óculos de realidade virtual para contar a história de jovens negros mortos nas
favelas do Rio de Janeiro. Na opinião de Julio Ludemir, a realidade virtual,
assim como o celular e o computador, que foram novidades no mundo em
determinados momentos, acabará sendo incorporada pela sociedade no futuro. “Já
tem gente produzindo narrativas a partir disso e nós estamos utilizando essa
poderosa tecnologia para contar uma situação dramática da periferia do Rio de
Janeiro, que é a desses jovens sendo mortos quase em uma escala industrial. O
Brasil é o país que mais mata jovens no mundo”.
Caio Fernando Abreu
O autor homenageado este ano pela Flupp é Caio Fernando
Abreu, escritor gaúcho, portador do vírus HIV, que morreu há 20 anos. “Ele foi
escolhido pela qualidade do seu trabalho, mas por ser um ícone de uma
literatura homossexual brasileira”, salientou Ludemir. Para ele, a obra de Caio
Fernando Abreu aponta para uma "periferia existencial" que dialoga
com a "periferia territorial". “E de alguma forma nos leva ao fato de
que não existe periferia territorial, sem periferia existencial. A gente está
tentando repaginar o que é o Caio Fernando Abreu”. Julio Ludemir não tem dúvida
que se o escritor gaúcho estivesse vivo, continuaria sendo um “cara muito
antenado”, incorporando situações diárias da realidade jovem à sua literatura.
O idealizador da mostra defendeu que, ao contrário do que
pensa a maioria da população, na favela não tem somente “gente analfabeta e
burra que gosta de 'funk'”, mas jovens empreendedores que entraram nas
universidades e estão modificando o cotidiano desses locais.
A Flupp 2016 está dando destaque também às questões da
população transexual, debate presente entre os jovens das periferias. A Flupp acontece na Praça Padre Júlio Groten,
na Cidade de Deus, em Jacarepaguá.
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