Aquela viagem à capital foi a gota d’água. Em comitiva
solene rumo à Assembleia Legislativa, as autoridades da prefeitura da
cidadezinha do Norte de Minas desembarcaram na Avenida Álvares Cabral para
encontrar as outras delegações dos municípios.
– Chegou o pessoal de Pintópolis – anunciaram às
gargalhadas, relembra a vereadora Gilda Ribeiro Almeida (PSDB).
O riso geral quebrou a formalidade mineira. Os
pintopolitanos (ou pintopolenses) deixaram a capital com um objetivo: mudar o
nome da cidade. Depois de muita discussão, um mini-plebiscito e enquetes em
rádio locais, chegaram à conclusão que o município deveria retornar ao antigo
nome.
Antes mesmo de modificarem as cartilhas escolares para
ensinarem às crianças o gentílico de Riacho Fundo, os moradores cancelaram a
mudança. O patrono da cidade, Germano Rodrigues Pinto, entrou em depressão
quando soube da sanha da população. Solidários à tristeza do ancião, os
habitantes do pequeno município mineiro resolveram assumir o Pinto de vez.
– Na prefeitura, algumas pessoas até sugeriram um monumento
na entrada da cidade, com uns ovos quebrados e um pinto saindo – diverte-se
Gilda.
A família Pinto segue como patrona do município, confirma o
vereador José Rodrigues (PTB). Assim como as piadas de duplo sentido.
– Nem no trânsito a gente tem paz. Quando alguém vê a placa,
logo pergunta: o pinto é grande mesmo?
Em Virginópolis, as moças vivem encabuladas
Na parte de baixo do mapa, outro município deixa enrubescida
as mocinhas desavisadas. Os germânicos desbravadores do Paraná não imaginaram
que em menos de um século teriam problemas com o nome da cidade. No Sul, até
tem gente que entende, mas os motoristas de Rolândia contam que já saíram no
soco com alguns engraçadinhos do Sudeste. Da homenagem ao legendário herói
alemão Roland – guerreiro da Idade Média que lutava ao lado de Carlos Magno –
nasceu o nome da cidade. E o hino rolandiense não desmente a pujança dos
locais: “Ó Rolândia, prossegue em teus trilhos / mocidade, ela, avante, de pé /
Sob o esforço de teus filhos / no fecundo plantio do café”.
Foto: Josue Marinho
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Sob as bênçãos de uma criatividade mais recatada, os
virginopolitanos ganham a piada-nossa de cada dia. Descoberta do Peçanha passou
a se chamar Virginópolis como uma homenagem à Nossa Senhora do Patrocínio. A
dita santidade do lugar, no entanto, é motivo de chacota.
– Eles dizem que aqui é a cidade das virgens – conta, meio
encabulada, Ana Soares Coelho.
Mas o imaginário brasileiro vai além dessas referências.
Como o sertanejo é antes de tudo um forte, quem mora em Amargosa, na Bahia, tem
que honrar o gentílico. E amargosenses de verdade são os moradores do distrito
de Corta Mão. As punições severas dos cangaceiros do sertão deram nome à
região. O estado é novo, a cidade é nova, mas o nome é velho.
Em Tocantins, Carrasco Bonito leva medo no nome. Mas,
diferentemente de Corta Mão, não tem histórico de violência. Pelo menos contra
seres humanos. Fundado em 1993 à razão de um quase um homem e meio para cada
mulher, foi considerado muito belo por seus descobridores, que durante caça de animais
silvestres chegaram a uma floresta de caatinga (carrasco, na linguagem caipira)
e assim batizaram a cidadezinha hoje com 3 mil habitantes.
Lama e epidemia também rendem bons nomes
Com 5.562 municípios para nomear, vale qualquer coisa. Em
Pernambuco, até tragédia inspira um título. Os afogadenses estão cansados de
contar a mesma história: era uma vez, um casal de viajantes tentando atravessar
o Rio Pajeú, em época de enchente. Eles foram levados pela correnteza e
desapareceram. Os corpos foram encontrados em um distrito chamado Ingazeira.
Diante do acontecido, as autoridades não tiveram dúvidas: incorporaram o
distrito e a triste história, daí nasceu o município de Afogados da Ingazeira.
Lama e epidemia também fazem parte da história e podem
render bons nomes. Brejolândia que o diga. E os brejolandenses não se rogam de
representar com sapinhos verdes o município baiano de 7 mil habitantes.
Cleusemir, funcionária do posto de saúde, conta ninguém nunca pensou em mudar o
nome de Brejolândia, apesar de o cenário de fundação do município ter mudado ao
longo dos anos.
– Devido à seca, agora não tem mais brejo – observa.
Ratos e carrapatos por todo lado. Resultado: Arroio dos
Ratos, no Rio Grande do Sul, e Carrapateira, na Paraíba. Críticas à parte, os
arroio-ratenses se orgulham do título de “Capital Nacional da Melancia” e da
história da cidade. Elegem até a rainha e princessa melancia. Nem ligam se para
a história dos antigos, que contam que o nome nasceu do grande número de
roedores que passeavam às margens do arroio que banha o município. Carrapateira
é uma planta adorada pelos artrópodes que levam o mesmo nome. A vegetação do
município era abundante nas plantas e nos carrapatos.
Minas Gerais é grande. Abriga o maior número de municípios
do país: 853. Essa abundância explica, em parte, a exuberância dos nomes:
Tufilândia, Marmelópolis, Onça de Pitangui, Ponto dos Volantes, Ressaquinha,
Fruta de Leite.
Nem por isso, gaúchos e catarinenses ficam para trás no
quesito criatividade. As antas são animais muito queridos na região. Vão ficar
eternizadas nas certidões de nascimento dos moradores de Rio das Antas (SC),
Anta Gorda (RS), Poço das Antas (RS) e, indiretamente, na vida dos naturais de
Trombudo Central e Braço do Trombudo, em Santa Catarina. A referida tromba
também veio das antas. Mas há quem diga que o nome veio do encontro dos rios,
também em forma da cara de anta. Mas para os trombudenses, são só histórias.
Via – O Palma
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