Nesse outubro de 2016, os líderes chineses têm comemorado
com diferentes atividades o 80º Aniversário do fim da Longa Marcha (1934-1936),
acontecimento épico que marcaria para sempre o destino do Partido Comunista da
China (PCC) e, sob o seu comando, o destino do próprio país.
A Longa Marcha não apenas salvou o PCC do aniquilamento,
mas, sobretudo, forjou um novo Exército Vermelho que proporcionou ao Partido um
novo comando, uma nova estratégia e uma nova força. Isso foi decisivo para a
concretização de três grandes feitos históricos no final da primeira metade do
século XX: a expulsão dos invasores japoneses, a unificação da nação e
proclamação, no dia 1o de outubro de 1949, da República Popular da China.
Quem mora na China costuma ouvir uma música bastante popular
que ecoa o seguinte refrão: “Se não tivesse o Partido Comunista então não
teríamos a Nova China” (Méiyǒu Gòngchǎndǎng jiù méiyǒu Xīn Zhōngguó). Essa
canção patriótica, conhecida por quase todos os chineses, foi composta em 1943
por Cao Huoxing, um jovem de apenas 19 anos. Não há dúvida de para se
compreender a China atual, sua força e seus desafios internos e externos, é
essencial um conhecimento sobre o papel dirigente do PCC ao longo desse mais
recente ciclo histórico do desenvolvimento civilizacional chinês. Nesse
sentido, a Longa Marcha é um divisor de água na história do Partido.
No final do século XIX e início do século XX a China passava
por um dos seus mais difíceis momentos. A dinastia Qing já não assegurava mais
a unidade do império e sua fragmentação era evidente. Dessa vez, a China estava
ameaçada não mais pelas “nações do Norte”, seus vizinhos tradicionais, mais por
outras nações de ultramar, sendo a Inglaterra a principal. A ação inglesa,
principalmente depois da conhecida Guerra do Ópio, desestabilizava e ruía o
poder imperial. Sua queda era eminente, como bem assinalou Karl Marx em artigo
publicado no New York Daily Tribune em 14 de julho de 1853. Dizia ele: “a
dissolução da velha China é tão certa como a de uma múmia cuidadosamente
conservada num sarcófago hermeticamente fechado e que se expõe ao ar”.
Como se sabe, o fim da dinastia Qing foi oficialmente
decretada com a instauração da República da China no dia 1º de janeiro de 1912.
A mudança de sistema não resolveu de imediato os principais problemas chineses
daquele tempo, que eram o da fragmentação interna do poder e uma ocupação
territorial crescente por nações externas. E as forças internas que lutaram
pelo fim da dinastia Qing não foram capazes de se unir contra essas duas
grandes ameaças. Sun Yat-sen, o principal líder desse período da história
chinesa, tinha clareza sobre os desafios históricos que vivia seu país.
Em uma de suas famosas “Conferências” escrita em 1924 ele
dizia: “Nós somos o Estado mais pobre e fraco do mundo, ocupando o lugar mais
baixo nos negócios internacionais; o resto da humanidade é a faca que corta e o
prato a ser servido, enquanto nós somos o peixe e a carne. Nossa posição agora
é extremamente perigosa; se nós não promovermos seriamente o nacionalismo e
mantivermos juntos nossos quatrocentos milhões de chineses numa nação poderosa,
estamos diante de uma tragédia: a perda de nosso país e a destruição de nossa
raça”.
É diante dos desafios desse quadro histórico de uma China em
decomposição que se pode melhor dimensionar o feito histórico alcançado
atualmente pelo povo chinês, sob a liderança do PCC.
A Longa Marcha foi o início dessa grande virada. Seu início
é resultado de uma situação histórica adversa, gerada pelo agravamento dos
conflitos internos e a intensificação da guerra civil chinesa. Nem mesmo a
invasão da Manchúria pelos japoneses em 1931 foi capaz de demover o Kuomintang
(Partido Nacionalista da China, que dirigia a China), da sua determinação de
priorizar o enfretamento interno, o que significava a necessidade de se
aniquilar o PCC.
Diante desse quadro, se pode compreender as campanhas do
Kuomitang contra as áreas controladas pelo PCC, concentrada basicamente na
província de Jiangxi. Por isso, e pela disparidade de forças, o soviéte chinês,
a primeira grande experiência de governo comunista na China, cujo núcleo
central ficava na cidade Ruijin não teve mais como resistir.
A única saída era se afastar ainda mais. Assim, em outubro
de 1934, são dados os primeiros passos do que viria a se transformar em umas
das maiores façanhas do Partido. Ainda no início dessa retirada, um
acontecimento histórico foi decisivo: a Reunião de Zunyi (Guizhou). Depois dessa
reunião passa a predominar no Partido uma nova linha política, defendida
principalmente por Mao Zedong. Esses foram momentos decisivos que moldaram a
caminhada chinesa posterior, conforme a conhecemos atualmente.
Mais de 12 mil quilômetros trilhados a pé e em lombo de
animais. O desafio de atravessar rios e montanhas. Frio e fome. Doenças,
combates e mortes (milhares), “mais do que prometia a força humana” (diria
Camões)...
Tudo isso é grande, mas o mais grandioso e impressionante
foi e é a força coletiva que moveu tudo isso. Não casual, o presidente chinês
tem evocado a necessidade dessa grande força para o enfrentar os desafios do
que ele considera como a nova Grande Marcha do seu país: “a construção, até
2021, de uma sociedade ‘modestamente acomodada’ e o sonho chinês de
rejuvenescimento da nação, até 2049”. A nação chinesa agora está
verdadeiramente de pé, diria Mao Zedong, mas seus desafios continuam grande e
cada vez mais complexos. Isso é a China.
*José Medeiros da Silva é doutor em Ciência Política pela
Universidade de São Paulo, professor na Universidade de Estudos Internacionais
de Zhejiang, em Hangzhou, e pesquisador convidado do Instituto Internacional de
Macau
Fonte: Xinhua
Via Portal Vermelho
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