O Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu que
servidor público deve escolher entre a vida e a greve.
Por *Eloísa Machado
de Almeida
Isso mesmo. Apesar de ser um direito constitucional de
primeira grandeza, daqueles que faziam a Constituição brasileira ser
reconhecida e festejada mundo afora, a greve deixou de existir.
A maioria do tribunal entendeu que o gestor público tem o
dever de cortar o pagamento dos grevistas. Ou seja, se você entrar em greve,
para protestar por melhores condições de trabalho, por igualdade de gênero, contra
o arrocho, pela democracia, pela saúde, pela segurança, pela educação, ficará
sem salário.
Não importa se a reivindicação é justa. Não importa se é um
direito. Não importa se não é abusiva. Não importa.
Não deve mesmo importar aos ministros do Supremo Tribunal
Federal e ao teto de vencimentos do funcionalismo público. Tampouco deve
importar aos demais juízes, que ganham acima do teto.
Mas certamente importa aos professores, cujo piso salarial é
de pouco mais de 2 mil reais que garantem a vida de sua família. Mas agora eles
serão obrigados escolher entre a vida e a greve.
A decisão do Supremo Tribunal Federal parece ter sido feita
por encomenda. A PEC 241, o desastre das políticas sociais brasileiras, certamente
inviabilizará a continuidade de muitos programas e precarizará outros tantos.
Votada por um Congresso Nacional apodrecido e amparada por um governo cuja
legitimidade não virá, a PEC 241 seria objeto de muitos protestos e greves:
contra a PEC 241 por uma educação de qualidade; contra a PEC 241 por uma saúde
pública universal. Contra a PEC 241 pela Constituição!
A situação que se desenha é, portanto, curiosa. Se
protestar, o salário é cortado e a opção é entre a vida e a greve. Se não fizer
protesto e a PEC 241 for aprovada, a escolha é entre a morte a greve.
Seria cômico se não fosse trágico. A única opção dada pelo
tribunal para não cortar salários seria quando o poder público estivesse
praticando ato ilegal, como atrasar pagamentos. Elementar! Se o servidor já não
recebe o seu salário, e por isso entra em greve, não há o dever do gestor em
descontar o pagamento.
Mas é só trágico. O mesmo Supremo Tribunal Federal que mudou
seu paradigma para admitir o mandado de injunção na garantia do direito à greve,
agora esvazia o direito constitucional.
Ninguém nega a necessidade de regulamentação, de acordos, de
fiscalização. Todos sabemos que serviços públicos essenciais devem funcionar
independentemente da greve. Ninguém ignora que possam existir oportunistas e
abusos. Mas isso não é sinônimo de greve. Greve é sinônimo de direito.
Invariavelmente, a greve é pelo direito de todos.
O tribunal parece mesmo achar que direito não é lá grande
coisa. Estudamos – assim como os ministros de notável saber jurídico – que ter
um direito é uma coisa importante, algo capaz de proteger contra abusos e
violações. Um direito fundamental, então, é uma maravilha! Ele exige sempre
mais, não pode ser abolido, não pode retroceder e coloca o sujeito (de
direitos) em uma posição elevada. Mas não importa a teoria dos direitos
fundamentais. Ela é só teoria. É só o direito.
A cada interpretação mal-ajambrada do Supremo ficamos mais
distantes do projeto constitucional de 1988. Aquele da Constituição Cidadã, do
Estado Social e Democrático de Direito, da solidariedade e da pluralidade. Hoje
foi o direito a greve, logo depois da prisão em segunda instância, da violação
de domicílio. Tudo indica que virá o fim da educação da qualidade e universal,
da saúde pública integral, da demarcação das terras, da maioridade penal.
Estamos diante de um atentado à Constituição e quem o
pratica é o seu guardião. Mas a Constituição não é do Supremo, é de todos nós.
Pelo direito à greve, contra a PEC 241, pela vida da Constituição,
resistiremos.
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