“O velho mundo morreu, o novo mundo tarda a aparecer e neste
claro-obscuro, surgem os monstros”. Antonio Gramsci.
Contextualização
Vivemos como diz Edgar Morin numa era planetária que se
acelera nos anos 90, com a globalização que estabelece um mercado mundial, e,
uma rede de comunicações extremamente ramificada em todo o planeta. A expansão
tecnológica, assim como o desenvolvimento cientifico e econômico, projetava uma
visão de futuro comum para toda a humanidade. Entretanto, o desenvolvimento
continuou desigual, assim como a repartição de riquezas. Alertas não faltaram
da parte do mundo associativo e dos poucos governos progressistas. Muitos
milhões foram gastos em conferências internacionais para poucos resultados.
Infelizmente, o planeta Terra segue até hoje ameaçado de morte ecológica. As
usinas nucleares vetustas representam ameaça de morte, a agricultura
transgênica e os agrotóxicos se espalham ameaçando a biodiversidade do planeta
e as enfermidades epidêmicas se proliferam.
Ou seja, a situação atual de nosso planeta é hoje
caracterizada por várias crises: econômicas, financeiras, sociais, políticos,
ambientais, diplomáticas entre outras. Sem contar outras ameaças, entre estas,
a existência de guerras civis e novas formas de terrorismo que se alastram
causando massacres humanos em vários lugares do mundo. Assiste-se ao retorno da
religião no espaço da política onde predomina um fundamentalismo altamente
perigoso para a coesão social. Passamos a viver numa sociedade individualista,
e, cada vez mais competitiva. Estamos
diante de um estranho mundo, cada vez mais obcecado por números, a economia
guia o nosso destino, porém, às vezes nos leva por caminhos incertos.
Aproprio-me das palavras de Edgar Morin quando dizia: “A ciência econômica
notadamente, passou a ser rainha e guia das políticas, ela não pode conceber o
que lhe escapa ao cálculo, ou seja, as emoções, paixões, infortúnios, crenças,
esperanças que estão na carne da existência humana”
A democracia refém da globalização da ideologia neoliberal
Os países do Norte foram os principais atores de uma
governança mundial junto com a ONU, FMI, Banco Mundial, União Européia, empresas
multinacionais e transnacionais. Os métodos aplicados para a regulação foram
desequilibrados e sempre favoreceram as grandes potências. Este fato, não dá à
governança global uma legitimidade democrática. Esses atores permitiram a
financeirização do capitalismo, primeiro impondo aos países do sul reformas
estruturais para se adaptar às novas exigências da economia neoliberal que
terminara por se transformar em estratégia ideológica. Hoje o livre comércio
cria uma concorrência, não apenas de produtos, mas de sistemas sociais, em
detrimento daqueles que conseguiram depois de anos de muitas lutas obterem
ganhos sociais significativos. Sabe-se que a hegemonia do capitalismo
financeiro só poderia ser alcançada pela via política, mediante o manejo
oportuno de recursos de poder. Hegemonia, para lembrar Gramsci se estabelece
com liderança intelectual e moral.
Esses grandes atores globais esqueceram que na era
planetária em que vivemos tudo interage e os problemas enfrentados no Sul
terminam atingindo o Norte e vice-versa. Por esta razão, os países do Norte não
poderiam sair indenes de uma crise global. Esta ultima crise do capitalismo
internacional (2008) provocou vários desequilíbrios, ou seja, o desequilíbrio
entre as finanças e a economia real; os desequilíbrios macroeconômicos entre os
principais atores da economia internacional; e desequilíbrio ecológico, que se
tornará necessariamente uma restrição o crescimento futuro, não só por causa da
mudança climática, mas também, dado a outros problemas de catástrofes ambientais.
Se não conseguirmos impedir a evolução ditatorial do
capitalismo financeiro e sua ideologia neoliberal, torna-se impossível pensar
em emancipação humana, na dignidade humana, na justiça social e uma sociedade
mais fraterna. A sustentabilidade do desenvolvimento ficara pendurada em
números... Basta ver como a sustentabilidade ecológica se transformou
rapidamente em marketing ecologico voltada para a rentabilidade da natureza e
seus ecossistemas. A democracia participativa, vista como a chave de sucesso do
desenvolvimento com sustentabilidade, exigia a participação dos atores locais
em todos os níveis de discussão concernente aos projetos, entretanto foram
rapidamente abandonados. O exercício da cidadania política é visto como perigo
para a propagação ideológica neoliberal.
Às vezes a convocação da comunidade para os projetos ambientais
representa apenas um verniz de legitimidade para obtenção de financiamentos
internacionais ou para impor mega-projetos.
Desde 2008, os governantes dos Estados Unidos e Europa
discursam em regular o sistema financeiro, mas, na pratica pouca coisa avançou.
É notório que os sistemas regulatórios globais não estão na escala dos desafios
que a humanidade enfrenta. A chamada aldeia global vive hoje em caos permanente
sem coesão, sem redistribuição de recursos e sem justiça. O pior, e talvez o
mais grave de tudo, seja que somos uma minoria a puxar o sinal de alerta. A
desilusão é grande, e isto vem provocando certa apatia por parte dos cidadãos.
Outro dado preocupante: o mundo pode deslizar em uma espécie
de regime autoritário, cuja única intenção é manter privilégios de uma casta ou
de uma oligarquia. Isso é politicamente dramático, e pode representar o fim da
democracia. Essa ameaça ronda a Europa, onde a democracia se encontra enferma e
a política não se regenera. A maioria dos cidadãos desiste de exercer a
cidadania, ou vota na extrema direita que sempre emerge em período sombrio de
crise econômica. Hoje a União Européia é composta de uma maioria conservadora e
de extrema direita.
Estamos diante de um processo de despolitização engendrada
pela ideologia neoliberal, e, nada é mais letal do que a resignação dos
cidadãos. Nos Estados Unidos o ideal
democrático há anos foi substituído pelo poder do dinheiro. Na América do Sul
os governos progressistas que chegaram ao poder, principalmente no Cone Sul
(Brasil, Chile, Paraguai, Argentina e Uruguai) foram confrontados à realidade
sócio-política deixado por décadas de políticas neoliberais traduzidas pela
falência do estado e de seus serviços públicos. Esses países serviram de
laboratório para a implantação da ideologia neoliberal e necessitaram de muitos
anos para mudar a lógica exclusiva do desenvolvimento e de seu sistema de
educação tomando o exemplo do Brasil. Infelizmente, a tendência hoje no Brasil
é a retomada desta ideologia com o novo governo oriundo do golpe parlamentar.
A hegemonia do quarto poder
Vale ressaltar também, a tirania do poder midiático. Os
defensores do neoliberalismo têm investido pesadamente nos meios de comunicação
para fazer uma máquina de guerra limpa para remover qualquer consciência
política para o povo, para torná-los suscetíveis a aceitar os ditames da
ideologia neoliberal. O sistema de comunicação será o vetor de propagação e
legitimação desta ideologia. As técnicas de comunicação são altamente
sofisticadas e diante do numero considerável de analfabetos políticos, qualquer
medida ou campanha publicitária pode transformá-los em cidadãos passivos e em
bons consumidores. Por estranha coincidência, os grandes grupos econômicos são
hoje proprietários de jornais e canais de televisão. A mídia está cada vez mais
concentrada, os jornalistas cada vez mais dóceis e a informação cada vez mais
pobre.
O quarto poder vem colaborando largamente na despolitização
da vida em sociedade e ao rebaixamento do senso político. E, no entanto, a política é o cerne de
qualquer processo de socialização humana e de todas as sociedades, das mais
antigas até as mais contemporâneas. Uma coisa é certa, não podemos refazer a
sociedade, deixando de lado da participação política. Isto requer que os
cidadãos tenham interesse de participar da política para obter mudanças de uma
vida melhor. Quando as pessoas se tornam indiferentes às coisas públicas, elas
permitem que políticos descomprometidos com o interesse geral, passem a
governar em seu nome e deste modo os cidadãos legitimam uma democracia sem o
povo! O golpe parlamentar que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff é bem
ilustrativo do papel do quarto poder. A crise econômica e a corrupção serviram
apenas de álibi para preparação do golpe.
Exagerar a crise econômica para provocar uma crise política-
Há três anos, a economia do Brasil estava crescendo, as perspectivas eram boas
e não havia nada que pudesse alarmar os investidores internacionais. Porém o
ambiente econômico global deteriorou-se com a desaceleração da China, a
fraqueza da economia européia e a lentidão da melhoria dos Estados Unidos. Tudo
isto fez com que a situação mundial fosse desfavorável, especialmente para
países que dependem da exportação de commodities, a exemplo do Brasil.
Os meios de comunicação que já vinham fazendo uma oposição
ferrenha ao governo de Dilma Rousseff, tudo fizeram para que ela saísse
derrotada na disputa de seu segundo mandato. Como não conseguiram derrotá-la
investiram junto com a oposição governamental numa campanha violenta para
impedir sua governabilidade. Com um congresso hostil, todas as propostas do
governo eram barradas pelos parlamentares. Também o quarto poder aproveitou dos
sinais de fragilidade da economia brasileira para exagerar sobre a gravidade
crise econômica. Criou-se então um clima político hostil, e os meios de
comunicação começaram a explorar o descontentamento das categorias sociais mais
afetadas pela crise. Afirmavam permanentemente que o desastre econômico era
culpa governo Dilma. Para os meios de comunicação não existia crise mundial e
sim uma crise econômica brasileira.
Em novembro de 2015 o premio Nobel de economia (2008) Paul
Krugman visitou o Brasil e disse: «Existe elemento de pânico espalhado por uma
mídia sensacionalista, que tem retratado o Brasil como um caso de desastre
total”. O pesquisador da Universidade de Princeton chamou atenção para a visão
derrotista da mídia local e global. Disse ainda, que existia uma tendência
entre os jornais financeiros de abordar com mais severidade as crises que
ocorrem sob governos de centro-esquerda. Todos estes fatores criam um clima de
pessimismo, desconfiança e caos que desestimula os negócios no país. O prêmio
Nobel da economia parecia otimista quanto a capacidade do Brasil no
enfrentamento da crise: “Não vai ser no mês que vem, nem no ano que vem, mas em
breve ficará óbvio que os danos estavam sendo superestimados”, antecipa. Assim
que o declínio do real ficar para trás, a economia deve voltar a crescer: a
inflação vai cair, as taxas de juros poderão ser reduzidas e, com esse alívio
na pressão sobre a economia, a situação orçamentária vai melhorar também.
Todavia, os meios de comunicação preferiram apostar no colapso econômico do
país do que injetar o otimismo para estimular os investidores. Junto com os
representantes da indústria e comercio e com apoio de alguns membros do poder
judiciário eles apoiaram de modo irresponsável uma campanha internacional dando
uma percepção de que a crise da economia era a maior crise jamais conhecida no
Brasil. A mensagem que os irresponsáveis transmitiam para seus aliados do
capitalismo financeiro era que a única saída era destituir Dilma, o impeachment
da Presidente seria uma das principais causas da recuperação do real uma vez
que um novo governo poderia, sem dúvida, aprovar leis cruciais para equilibrar
as contas do estado. O novo governo poderia contar com uma base mais sólida no
Congresso, o que seria mais fácil para adotar novas medidas austeridades.
Esfacelamento do sistema de educação na esfera mundial
A consequência da globalização neoliberal em termos de
educação é o surgimento e expansão de um mercado educacional, patrocinando o
aumento da concorrência entre as instituições de ensino, nomeadamente na rede
pública. Vimos em muitos lugares, o aumento de escolas particulares e a
proliferação de universidades privadas. A qualidade do ensino baixou
consideravelmente. O sistema de formação escolar, universitário, profissional
tem criado seres humanos politicamente cegos para decifrar a complexidade e os
desafios de nosso planeta.
A ideologia neoliberal coloca tanto a educação como a cultura
na esfera da concorrência comercial. O objetivo é excluir completamente a
educação da categoria de direitos humanos básicos para classificá-la na
categoria de bens mercantis. Tanto a educação como a cultura tornam-se um
produto oferecido no mercado. Em 2003 o grande sociólogo francês Edgar Morin já
lançava um grito de alerta sobre a urgência vital de “educar para a era
planetária”. Ele que admira tanto o Brasil e tecia elogios aos programas de
inclusão social posto em pratica pelo governo Lula, na certa hoje deve estar
vivendo o mesmo drama que muitos intelectuais brasileiros vivem: O Brasil não
só teve um golpe parlamentar, mas vive hoje um grande retrocesso com o
desmantelamento de todas as conquistas sociais dos governos Lula e Dilma.
Os investimentos realizados na área de educação não foram
suficientes para melhorar a qualidade do ensino no Brasil. Todavia, o governo
pós golpe do Senhor Temer decidiu de modo arbitrário, e sem consultar o corpo
de professores e instituições ligadas ao ensino realizar uma reforma na
Educação reacionária e punitiva. O governo tenta criar um processo de
“deseducação” no Brasil. A reforma educacional foi aprovada pelos mesmos que
aprovaram o golpe parlamentar. A proposta de emenda constitucional PEC 241
congela os gastos público por 20 anos. Ela diminui os investimentos em
educação, saúde, e assistência social. A PEC, considerada prioritária pelo
governo Temer, decreta o fim da obrigação do Estado com os direitos sociais. Na
reforma educacional são retiradas de obrigatoriedade do currículo escolar as
matérias como História, Sociologia, Artes, Filosofia. Já dizia Paulo Freire
“Não basta saber ler que ’Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição
que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem
lucra com esse trabalho”. É exatamente este modo de pensar a educação que o
governo golpista propõe destruir. O
Temer coloca assim o Brasil como principal laboratório para adoção da ideologia
neoliberal.
Com o apoio incondicional dos meios de comunicação, dos
grandes grupos econômicos, dos organismos patronais, uma grande parte do poder
judiciário, o Brasil possui hoje todos os ingredientes necessários para a
implantação de definitiva desta ideologia: Existe uma direita e extrema direita
organicamente bem articulada para impor não só um modelo econômico neoliberal
para o Brasil, que associa o modelo socioeconômico a regras e valores. A
ideologia neoliberal não se encontra somente centrada na economia; ela consiste
na ampliação e disseminação dos valores de mercado em matéria de política
social e envolve todas as instituições do Estado, mesmo que o mercado conserve
como tal sua singularidade. A política então fica submetida a uma racionalidade
econômica. O que esta em jogo hoje é uma mudança radical de um projeto de
sociedade que a esquerda timidamente tentou construir há mais de uma década.
Logicamente, com todas as imperfeições muitas pautas de reivindicações oriundas
de lutas foram postas em praticas. Houve certos avanços no reconhecimento dos
direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Todas essas conquistas
foram frutos de longos anos de luta social e acabam de ser interrompidas por
Temer. O futuro do país fica assim hipotecado pela ideologia neoliberal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário