Milhares gritaram em coro a frase "Mar para
Bolívia" depois de divulgada decisão da Corte Internacional de Justiça de
Haia (CIJ), na qual declara sua competência no litígio entre a Bolívia e o Chile
por uma saída ao oceano Pacífico para o primeiro.
O sentimento patriótico do povo boliviano estava muito
presente nos últimos dias e ficou mais potente depois que o juiz Ronny Abraham
declarou a competência da CIJ para abordar a demanda de La Paz.
Por 14 votos a dois, a Corte recusou a objeção preliminar
apresentada pelo Chile, enfatizou a decisão divulgada em 24 de setembro deste
ano, que considerou o tribunal competente, sobre a base do Artigo 31 do Pacto
de Bogotá, para atender a solicitação apresentada pelo Estado Plurinacional da
Bolívia em 24 de abril de 2013.
Abraham não tinha terminado de expressar o veredicto do
tribunal e o povo reunido na praça Murillo, em frente ao Palácio Quemado onde
se encontrava o presidente Evo Morales e todo seu gabinete, começou a entoar as
notas do Hino del Mar, no qual se exige sua volta à Bolívia, desde Antofagasta,
passando por Tocopilla, Mejillones e Cobija, até Calama.
Pouco depois, o primeiro presidente indígena na história da
Bolívia se dirigiu ao povo, parabenizando e agradecendo por sua firme luta pela
causa marítima.
Hoje é um dia histórico para a Bolívia e toda América
Latina. Estamos muito satisfeitos com a decisão da Corte Internacional de
Justiça porque seguramente, mais cedo que tarde, justiça será feita com nosso
país, afirmou o presidente Evo Morales em seu discurso à nação em 24 de
setembro.
O mandatário felicitou os movimentos sociais, o corpo
jurídico que defendeu a causa na CIJ e os ex-presidentes bolivianos que,
independente de suas diferenças ideológicas, se uniram para levar adiante este
processo de reivindicação marítima.
A Bolívia nunca desistirá até voltar ao oceano Pacífico com
soberania, disso estamos todos convencidos, afirmou Morales.
O mandatário convocou o governo chileno ao diálogo sobre a
reivindicação de seu país de uma saída soberana ao oceano Pacífico, e enfatizou
que a Bolívia é um país de paz.
Nessa linha, cumprimentou as organizações sociais do Chile,
os intelectuais, profissionais e artistas que expressaram seu apoio através de
cartas, notas e mensagens, porque esta injustiça, disse, não foi provocada pelo
povo chileno, mas por interesses multinacionais, comentou o mandatário em
referência à invasão de 1879.
Morales lembrou que a demanda tem o apoio para além da
fronteira: "Até o povo chileno nos apoia. Visitamos o Chile na posse da
presidenta fraterna (Michelle) Bachelet em sua primeira gestão, e em um coliseu
cheio, as pessoas pediam mar para a Bolívia", comentou.
No meio dos aplausos de milhares de pessoas, o mandatário
recordou que "a causa boliviana foi apoiada no Chile por artistas,
docentes, profissionais, e intelectuais e esperamos que os jornalistas que
estão aqui se juntem também porque somos dois irmãos, vizinhos; povos
irmãos".
Segundo o chefe de Estado, o apoio é maior nos movimentos
sociais porque seus integrantes compreendem que "não somos movimentos
sociais para dominar outros setores, mas para procurar a fraternidade e a
dignidade".
No país vizinho, a presidenta Bachelet afirmou que a
"Bolívia não ganhou nada". O único que se decidiu até agora é que a
Corte é um tribunal apto para abordar a reivindicação boliviana sem que exista
uma avaliação sobre o que a Bolívia pretende. Garanto que meu governo adotará
todas as medidas correspondentes para garantir a integridade de nosso
território, de maneira que, sob nenhuma circunstância, se verá afetada,
respondeu Bachelet do Palácio de La Moneda.
A presidenta assegurou que o governo chileno mantém a firme
convicção de que a demanda da Bolívia "não tem base alguma" e
confunde direitos com desejos, além de tergiversar completamente o que foi a
história entre ambos países, especialmente o Tratado de 1904 e "o alcance
dos diferentes diálogos diplomáticos que existiram entre eles".
Já o agente chileno na CIJ, Felipe Bulnes, afirmou que,
ainda que a Bolívia tenha interpretado a decisão como uma vitória no sentido de
que a CIJ se declarou competente, de todas formas, novos argumentos virão para
determinar se ambos países devem negociar.
Por outro lado, o acadêmico Gilberto Aranda, pesquisador do
Instituto de Estudos Internacionais do Chile, explicou que o Tribunal deu a
razão à demanda da Bolívia.
Nessa linha, o delegado boliviano perante a instituição
jurídica, o ex-presidente Eduardo Rodríguez Veltzé, destacou que a determinação
da CIJ é importante para ambos países e transcendental para a América Latina e
a comunidade internacional.
Com seu veredicto, a CIJ reafirma o espírito dos tratados e
convênios dos países para resolver suas diferenças, ainda mais quando o mundo
hoje é testemunha de tantas guerras, considerou o ex-chefe de Estado.
Para Rodríguez Veltzé, a demanda boliviana tem a ver com um
requerimento à referida Corte para declarar a obrigação do Chile de negociar o
direito boliviano ao oceano Pacífico e advertiu que está sustentada em
fundamentos do direito internacional e nos próprios precedentes da
jurisprudência da CIJ.
Também explicou que não é um ato hostil contra o Chile, nem
põe em perigo as fronteiras, ao mesmo tempo em que advertiu que "nos leva
a um diálogo frutífero, que construa pontes".
A Bolívia nasceu como república em 1825 com costa no
Pacífico, mas uma invasão chilena em fevereiro de 1879, arrebatou 400
quilômetros de seu litoral e 120 mil quilômetros quadrados de territórios ricos
em minerais.
Desde então, o país reivindica sua causa em diferentes foros
sociais, como na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização de Estados
Americanos (OEA), na Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC),
na União de Nações Sul-americanas (Unasul), na Aliança Bolivariana para os
Povos de Nossa América (ALBA), até chegar à CIJ em 2013.
Em maio passado, a Bolívia e o Chile apresentaram ao
tribunal da CIJ seus argumentos orais e escritos e, desde então, o organismo
jurídico internacional analisou sua competência ou não para atender a demanda
apresentada pelo país andino amazônico de maioria indígena.
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