A procuradora da República e presidenta da Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos,
Eugênia Gonzaga, defendeu hoje (25) que o Supremo Tribunal Federal (STF) faça a
revisão da Lei de Anistia, para que agentes do Estado sejam responsabilizados
pelos crimes e violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura
militar. “Nenhuma das ações de responsabilização foi para frente por causa da
interpretação que ainda existe no país sobre a validade da lei para agentes da
ditadura, isso a despeito da decisão da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. O Brasil vem insistindo em descumprir essa decisão da corte”, disse
ela.
Em 2010, o STF julgou que a Lei de Anistia era aplicada a
agentes públicos. No mesmo ano, explicou Eugênia, a corte internacional decidiu
que a lei era válida, mas não para as graves violações de direitos humanos
ocorridas no Brasil durante a ditadura militar. Ela afirmou que a questão está
em andamento e que já existem pedidos pendentes no Supremo para uma nova
análise.
Para o professor Paulo Abrão, presidente da Comissão de
Anistia e secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos
Humanos (IPPDH), do Mercosul, é necessário fazer um ajuste nessas duas
perspectivas. “A nossa expectativa é que, após o relatório da Comissão da
Verdade e a sentença da Corte Interamericana, essa decisão possa vir no sentido
de afirmar a ideia que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e não
devem estar sujeitos à anistia”, disse.
Eles participaram hoje, junto com representantes de mais de
50 organizações da Argentina, Venezuela, do Brasil, Paraguai e Uruguai, da 2ª
Consulta Pública do Fórum de Participação Social do instituto. O evento começou
com um seminário sobre os 40 anos da Operação Condor, que foi uma aliança de
colaboração entre os regimes ditatoriais da América do Sul nas décadas de 1970
e 1980.
Segundo Eugênia Gonzaga, países que passam regimes
autoritários têm resquícios que precisam ser combatidos, daí a importância
desse resgate histórico. “Esses resquícios são, no caso Brasil, por exemplo, a
ausência total de meio de defesa [na mídia], a tortura ainda presente nas
polícias e o desaparecimento de pessoas, assim como ocorria no período da
ditadura”, destacou. “Então precisamos resgatar esse ocorrido para evitar que
ele se perpetue, porque ainda é o que acontece em países como o Brasil, que não
fizeram a devida responsabilização dos agentes de Estado do período e o devido
resgate dessa história”, acrescentou.
A integração entre os países do Cone Sul nesse fórum é, para
o professor Paulo Abrão, uma forma de fortalecer as instituições de direitos
humanos para que os legados autoritários, que ainda permanecem sejam superados.
“As democracias não são um fim em si mesmo, elas dependem de um constante
cuidado. É sempre necessário lembrar o que significa regimes de exceção, o que
significa ditadura, o que isso implica em termos de prejuízo e atraso nas
nossas sociedades para que a não repetição desses erros”, disse o presidente da
Comissão de Anistia.
Ele explica ainda que, desse encontro, sairão sugestões aos
governo para implementação de políticas de memória, de verdade e justiça, como
processos de preservação de arquivos, identificação de centros e locais de
tortura para que eles sejam transformados em museus de consciência e ampliação
de políticas de reparação psicológica e apoio às vítimas.
O acompanhamento de ações judiciais em tramitação como os
juízos da Operação Condor na Argentina e em Roma também é importante, de acordo
com Paulo Abrão. Segundo ele, a sentença da Operação Condor deverá ser
declarada até final desse ano. “Isso certamente abrirá novas perspectivas e
conhecimentos para a sociedade, de novas provas e documentos que permitirão
novos ciclos de identificação de responsabilidade, de consequência e de
vítimas”, disse.
O encontro de hoje foi uma parceria da Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça com o IPPDH, a Unidade de Apoio a Participação Social
do Mercosul, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e o
Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento.
Edição: Maria Claudia
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