Participantes de audiência denunciam atos de intolerância
religiosa, exigem respeito e pedem políticas públicas em defesa das religiões
de matriz africana.
Por Iris Pacheco*
“Religião prega ódio ou o amor e a fé?”. Esse questionamento
do babalorixá Pecê de Oxumaré foi apenas um dos muitos realizados durante a
audiência pública realizada nesta quarta-feira (16) na Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, para debater perseguições
contra praticantes de religiões de matriz africana.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) presidiu a audiência e
lamentou a intolerância religiosa no Brasil. O parlamentar salientou ainda que
a realização daquele espaço público cumpre a função de dizer ao povo brasileiro
que a intolerância contra grupos religiosos, especificamente os de matriz
africana, não é aceita.
Realizada no dia da semana dedicado à Xangô, a audiência foi
aberta com uma cantiga em saudação ao Orixá do fogo e da justiça cantada por
Mãe Railda Rocha Pitta.
O babá Adailton Moreira Costa, que nasceu e se criou dentro
do Candomblé, exigiu respeito à tradição religiosa de matriz africana e
questionou a impunidade dos grupos que promovem a intolerância no Brasil.
“Eu exijo que respeitem minha tradição religiosa. A
intolerância religiosa vem travestida de racismo às nossas religiões de matriz
africana, de machismo, de homofobia, de violência de gênero... É um projeto
político econômico de destituição de identidade cultural religiosa muito bem
arquitetado. O Estado tem que se responsabilizar por nós porque somos cidadãos.
Por que essa naturalização da violência e da violação dos direitos humanos? A
liberdade religiosa é um direito constitucional”, apontou o babá.
Intolerância em números
Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH), entre 2011 e 2014, o Disque 100 – canal de
denúncias de violações de direitos humanos – registrou 462 queixas desse tipo.
Somente no estado do Rio, entre julho de 2012 a dezembro de
2014, foram registradas 948 queixas envolvendo intolerância contra religiosa,
destas 71% envolviam as religiões afro-brasileiras. Os dados são do relatório
preliminar da organização não governamental Comissão de Combate à Intolerância
Religiosa (CCIR), divulgado em audiência pública no dia 18 de agosto desde ano
na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Nascida na religião dos Orixás, Mãe Railda Rocha Pitta,
compartilha sua concepção ancestral de religião como uma manifestação de
respeito ao mais velhos, amor às crianças e a convivência em comunidade.
“Nós que somos do candomblé muito cedo aprendemos a clamar
por justiça ao grande senhor dos trovões, Xangô. E confesso que nos últimos
tempos tem sido preciso saudar muito a esta divindade, porque tem crescido
assustadoramente os casos de intolerância religiosa e perseguição aos
seguimentos afro-brasileiros”, comentou Mãe Railda.
Presentes
Estiveram presente os senadores Paulo Paim (PT/RS), Donizeti
Nogueira (PT/TO), a deputada federal Erika Kokay (PT/DF), entre outros
parlamentares. O babalorixá Pecê de Oxumaré e o frei David Santos, Diretor
Executivo de Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro),
também acompanharam a audiência. Além desses, participaram representantes de
órgãos governamentais como Givânia Maria da Silva, Secretária de Políticas para
Comunidades Tradicionais da Seppir, que afirmou a necessidade ir para além da
palavra de intolerância, são crimes que devem ser enquadrados como crimes de
racismo.
Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Coordenador Geral de
Diversidade Religiosa da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos, e a Mãe Baiana - representante da Fundação Palmares, que se emocionou
ao relatar a visita do órgão ao Ilê Axé Queiroz, dirigido por Babazinho,
atacado na madrugada do último dia 12 e afirmou que a Fundação está tomando as
providências necessárias para que essas comunidades tenham resultados
concretos.
Ataques
A madrugada do dia 12 de setembro ficou marcada pelo crime
de vandalismo e pela ignorância de indivíduos que em um série de ataques
agrediram casas de religiões afro-brasileiras no entorno da capital federal do
país.
No ilê de Pai Ricardo de Omolú em Valparaíso de Goiás, após
três meses da denuncia do ocorrido até hoje não recebeu a visita dos investigadores
ou mesmo a perícia para fazer o levantamento no local.
Há um mês atrás, o ilê Axé Queiroz em Santo Antônio do
Descoberto, dirigido por Babazinho, foi atacado e depredado, arrombaram a
porta, violaram o sagrado e quebraram igbás (representações dos Orixás). Agora
pela segunda vez, a casa é atacada e incendiada. Embora o Babá tenha feito o
boletim de ocorrência junto a Polícia do estado de Goiás, os peritos ainda não
apareceram para fazer as averiguações e os responsáveis não foram identificados.
Segundo Babazinho, a única informação que se tem é que foram
duas pessoas bem vestidas, que chegaram em um carro estrada prata, arrombaram a
porta e atearam fogo no Ilê. O sentimento de medo e insegurança está instalado
na comunidade.
“Eu não confio mais, a casa não vai ficar lá. Já está tudo
destruído e a gente teme pela nossa vida e as dos nosso filhos. Me sinto
revoltado, estamos aqui para tentar ver uma medida e cobrar uma providência
junto aos órgãos competentes que dê mais segurança ao povo de Candomblé”,
ressaltou Babazinho com indignação.
A outra casa agredida foi o ilê do babá Djair de Logun Edé
em Águas Lindas de Goiás. De acordo testemunhas homens ainda não identificados
chegaram em uma Saveiro, derrubou o portão do Ilê e atearam fogo. As chamas
foram contidas pelos vizinhos a tempo de causar um dano maior.
Confira vídeo realizado pela Fundação Palmares com o
depoimento de Babazinho e Iyá Nani de Òyá contando sobre o ataque sofrido:
Articulações
O povo de Tereiro está se articulando em várias esferas,
seja no âmbito público, seja na sociedade civil organizada. A audiência também
foi espaço para socialização dessas iniciativas, como a organização da
Caminhada Nacional contra a Intolerância Religiosa em Brasília.
O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Distrito
Federal e Entorno, Rafael Moreira, questionou o não cumprimento da legislação
que se referem ao direitos dos Terreiros e protocolou uma carta de repúdio aos
atos de intolerância religiosa nos municípios goianos da região metropolitana
do DF.
Já na semana passada, ocorreu o primeiro Seminário Nacional
de Povos de Comunidades Tradicionais de Terreiros, em Teresina (Piauí), onde
foram discutidas propostas de políticas públicas de igualdade racial e combate
a intolerância religiosa.
Via Brasil de Fato
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