Até aqui, as articulações e pregações da oposição para
remover a presidente Dilma do governo ocorriam nos gabinetes, nas entrevistas
aos jornalistas no salão verde e nas redes sociais. Ontem, pela primeira vez, a
luta política desembarcou no plenário da Câmara, dominou a sessão e adiou
votações. A ofensiva da oposição encontrou reação à altura dos governistas e
até o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi chamado de golpista.
Tudo começou no início da noite quando o líder do DEM, Mendonça
Neto, tal como anunciado, apresentou uma longa questão de ordem a Cunha sobre
os ritos e regras que regerão a tramitação dos pedidos de abertura de processo
de impeachment já encaminhados à presidência. São 13. Cunha afirmou que estava
“recolhendo” a questão de ordem para analisá-la e responder posteriormente.
Mendoncinha, como é chamado o líder do DEM, sugeriu que ele a encaminhasse à
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Começou então a reação dos
governistas.
O vice-líder Silvio Costa (PSC-PE) foi o primeiro a
discursar, com a indignação de sempre, lembrando a Cunha os dispositivos do
Regimento segundo os quais só podem ser formuladas questões de ordem
relacionadas com a Ordem do Dia. Se o impeachment não estava em pauta, a
questão era indevida, não devia sequer ter sido lida e muito menos acolhida.
- Quando Vossa Excelência acolhe esta questão de ordem
indevida, está compactuando com os golpistas da oposição. E se remeter esta
consulta à CCJ para criar fato político, estará sendo golpista – vociferou
Costa diante de um Cunha impassível.
Em seguida o líder do Governo, José Guimarães (PT-CE),
ocupou a tribuna para também condenar as articulações pelo impeachment,
evocando as lutas pela restauração democrática e os sacrifícios dos que lutaram
na resistência à ditadura. Mal começou a falar, entretanto, o deputado
auto-declarado de extrema direita Jair Bolsonaro resolveu desestabilizá-lo.
Enfileirou uma série de xingamentos à presidente Dilma reforçados com gestos
agressivos: “aquela terrorista, sequestradora, assaltante...”. Quem reagiu e
partiu para cima foi o deputado Orlando Silva, do PCdoB-SP. A turma do “deixa
disso” os apartou antes que fossem às vias de fato. Guimarães concluiu seu
discurso.
Cunha então deu a palavra ao vice-líder tucano Bruno Araújo
(PSDB-PE), para outro longo e exaltado discurso em que chamou reiteradamente a
presidente Dilma de mentirosa e defendeu seu impeachment.
Do lado esquerdo do plenário foi a vez de Jandira Feghali,
líder do PCdoB, ocupar a tribuna para o discurso mais forte da noite, embora
não o último da série. Sem perder a serenidade, controlando os graves e agudos,
medindo e escolhendo as palavras, Jandira disse que não generalizaria, pois
tinha muitos colegas da oposição na conta de democratas sinceros. Feita a
ressalva, revisitou a luta democrática para dizer que afastar Dilma sem crime
configurado seria um retorno inadmissível ao regime de exceção. E que se houve
luta contra a ditadura, apesar de sua força bruta, haveria agora também em
defesa da ordem democrática e da vontade popular que elegeu Dilma.
Lembrou a crise de 61 e invocou Brizola, que comandou a
campanha da legalidade para garantir a posse de Jango. “Brizola faz falta nesta
hora”. Lembrou o editorial “Basta”, do Correio da Manhã, que abriu caminho para
o golpe em 1964, para condenar o editorial “Ultima chance”, publicado pela
Folha de S. Paulo no último domingo, 13/9. “Mario Covas, um democrata cujo
busto está logo ali, teria vergonha de muitos tucanos que andam pregando o
golpe”. E enaltecendo a trajetória, a probidade e a conduta de Dilma, disse que
muitos ali no plenário não tinham moral nem estatura para atacá-la. Um bom
discurso, ora aplaudido pela lado esquerdo, ora vaiado pela lado direito do
plenário. Jandira, hoje um dos destaques da base governista, não se abalou.
Falou quantas verdades e desaforos quis.
O próprio Mendonça Neto voltou em seguida à tribuna para
lembrar que PT, quando comandou a campanha pelo impeachment de Collor, ou
quando pediu, em vão, a abertura de processo contra Fernando Henrique, não via
golpismo nisso. Outros se lhe seguiram, com discursos menos brilhantes mas não
menos exaltados. Começou uma guerra política, uma luta de poder que terá brigas
de rua e de plenário. Assim será até que haja um desfecho, seja ele qual for.
Nenhum comentário:
Postar um comentário