De longe se vê a Argentina como um grande veleiro, com todas
as velas armadas que vai de vendo em popa. Claro, mas é necessário fazer
algumas ressalvas, o leme está quebrado, seu pilogo é um marinheiro de quarta
classe, e a nave avança velozmente em direção a um rochedo afiado como facas do
Estado Islâmico.
Nos cem dias de governo do lobby financeiro, midiático e
judicial que colocou como testa de ferro o mais inapto de seus filhos, Maurício
Macri, a Argentina tem sido literalmente devastada pelo ódio neoliberal que
tenta varrer da história qualquer coisa que remeta aos 12 anos de governo
kirchnerista. Não lhes basta apagar os nomes das instituições, centros
culturais ou hospitais, começaram uma caça contra todos os empregados públicos
suspeitos de simpatizar com o “antigo regime”, demitindo-os massivamente;
encararam dirigentes populares como Milagro Sala, e desta forma desativaram
planos sociais como o “Conectar-igualdade” que entregou mais de 5 milhões de
computadores a estudantes de todo o país; desmontaram o Polo Espacial Punta
Indio, onde se desenvolviam investigações científicas entre outras muitas
conquistas do kirchnerismo.
Como tributo às relações com os Estados Unidos, Macri
pretende trair o Brasil que passa por este momento tão difícil, abandonando o
Mercosul para cobiçar o Tratado do Pacífico, firmar tratados de livre comércio
com o EUA e subordinar-se uma vez mais ao Fundo Monetário Internacional.
O incidente sucedido há pouco tempo atrás com um pesqueiro
chinês que aparentemente foi surpreendido pescando em território marítimo
argentino parece fazer parte do correlato macrismo em vias de aproximação a
Washington.
A Argentina desembarcou em um território amplamente
conhecido, mas não por isso menos angustiante: desocupações, inflação,
endividamento, são as palavras em voga.
As empresas de pesquisa informam que em seus últimos
registros a sociedade argentina trocou seu temor pela insegurança pelo da
desocupação em sua lista de inquietações.
Se bem que, os índices de insegurança do país eram
importantes, porém muito abaixo da média do continente, mas a construção
midiática conseguiu estabelecer que durante o governo da presidenta Cristina
Kirchner a criminalidade havia disparado. Eles repetiam o mesmo crime até mais
de 20 vezes nos diferentes meios que possuem, multiplicando de maneira
exacerbada a sensação de insegurança.
Hoje, por mais que se tente ocultar 150 mil demissões que já
foram executadas tanto nas áreas governamentais, como nas empresas privadas,
leva os trabalhadores à reflexão – como já é clássico no sindicalismo argentino
– que voltam a ser traídos por seus dirigentes, falsos e corruptos “líderes”
como o caminhoneiro Hugo Moyano ou o cheff Luis Barrionuevo, ambos também
empresários em seus ramos, deixaram de visitar os estúdios de televisão para
falar contra as políticas do Kirchnerismo e agora diante de seu decidido apoio
a Macri se refugiaram em um ostracismo
A sensação de desconcerto nos setores populares continua se
aprofundando, esperando algum sinal para marchar em alguma direção. Os setores
burgueses, por sua vez, se prendem ao discurso oficialista que só se centra em
culpar de todos os males a “pesada herança” deixada pelos 12 anos de
“populismo”.
Para deixar bem claro, esta administração nada tem deste
maldito populismo, se dedicam desde o dia 10 de dezembro a serem contra todas
as políticas de inclusão, e beneficiar os especuladores financeiros e ao
patronato, reduzindo ou exterminando em alguns casos todo tipo de impostos
sobre os lucros. A transferência de capitais do setor mais pobre aos grandes
grupos econômicos neste caso tem sido monumental.
Nestes momentos, tanto a Câmara de deputados como a de
senadores começam a discutir a derrogação das leis que impediam as negociações
com os fundos abutres, que bombardearam nos últimos anos o governo da
presidenta Cristina Kirchner. Para os gerentes que hoje administram a Argentina
isso permitirá o país voltar a endividar-se para gerar obra pública, é até um
pouco curioso que ao tempo que estas políticas levaram o país a se endividar
durante gerações, o mesmo governo que pretende realizar obras públicas deteve a
construção das grandes represas que estavam em plena realização na Patagônia,
na província de Santa Cruz, de onde casualmente vinha o presidente Néstor
Kirchner e de Atucha 3, uma central nuclear de onde acabaram de despedir 1800
operários.
Revelar o retrato argentino é um longo lamento, entretanto
os que se apegam como náufragos nos últimos restos do naufrágio macrista
repetem como um mantra aquela história da “pesada herança” para não reconhecer
o trágico erro cometido nas últimas eleições, que à Argentina custará novamente
anos de atraso, porque isso seria admitir que foram manipulados por uma
monumental e pobre campanha midiática que provocou um ódio irracional contra
Cristina, em vez de uma adesão concreta a Macri, cuja única conquista
importante havia sido alcançar a presidência do clube de futebol Boca Júniors,
já que a cidade de Buenos Aires, depois de seus oito anos de prefeitura, ficou
endividada, com altos índices de marginalidade, e onde o narcotráfico, o
tráfico de pessoas e o trabalho escravo se fortaleceram como nunca.
Em nível nacional, Macri não faz coisas melhores do que as
feitas na capital, as declarações de seu ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay,
antes de sua posse despertaram os fantasmas inflacionários que estiveram
controlados durante os últimos doze anos e o dólar praticamente duplicou seu
valor e por isso o Banco Central é submetido a uma sangria diária com o
objetivo de contê-lo.
Prat Gay assegurou que esperava o ingresso de cerca de 25
bilhões de dólares nos primeiros meses de governo, mas até esta data foram recebidos
créditos por uns 2 bilhões de dólares a curtíssimo prazo e altas taxas de
juros. Todas as esperanças do governo estão depositadas nos benefícios que
supostamente voltarão à Argentina depois que seja fechado o falso acordo com os
abutres no dia 14 de abril. E como se sabe, estes acordos serão repudiados
imediatamente depois que um governo popular volte a ocupar a Casa Rosada.
Para os setores populares estão preparando um plano de
contingência extremamente duro com caminhões pipa, balas de borracha e
cassetetes. A instabilidade social que se espera é tamanha que a atual
governadora da província de Buenos Aires, María Eugênia Vidal – um dos emblemas
da aliança governante Cambiemos – acaba de mudar sua residência familiar para o
interior de uma base das forças aéreas.
A resposta de Macri a seus ministros só consistem na
esperança de receber créditos do exterior, dia após dia, as possibilidades que
isso aconteça são mais difíceis. Ninguém se aproxima de um barco que está
prestes a colidir em um rochedo, a menos que se seja para vender coletes
salva-vidas.
*Guadi Calvo é escritor e jornalista argentino. Analista
Internacional especializado em África, Oriente Médio e Ásia. Mais em sua página
no Facebook.
Via - Portal Vermelho
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