Texto de Luís Fernando Veríssimo
Transcrito do jornal O Globo
Imagem - Gervásio de Castro Neto |
Calma, gente. Do jeito que vão as coisas e as pessoas,
entramos num período de expectativa tétrica: quem será o primeiro cadáver dessa
guerra? Na convulsão que toma as ruas, nos enfrentamentos constantes e nos
choques de ódios que se repetem, está se gerando o primeiro morto. Não se sabe
como ele será. Por enquanto, é apenas uma suposição do que ainda não aconteceu,
um fantasma precoce do que ainda não existe. Não se sabe seu gênero, sua idade,
sua raça ou o que o matará — mas ele toma forma, e vem vindo. Depois, os dois
lados se culparão mutuamente pela sua morte, ele virará símbolo ou mártir, e
todos lamentarão a tragédia — o que para ele não fará a menor diferença. Ele
será apenas alguém que estava no lugar errado quando o estilhaço, o tiro, o
sarrafo, a bala perdida, o soco mortal o atingiu. O primeiro morto pode ter
sorte e não morrer. Ele pode estar andando por aí neste momento sem saber como
chegou perto de virar defunto e notícia internacional. Até o momento em que
escrevo, escapou. Mas, do jeito que vão as coisas e as pessoas, tudo indica que
ele está condenado.
Vi no face do chargista Gervásio de Castro Neto
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