Com 70 livros publicados e mais dois lançamentos, escritor
acaba de completar 80 anos. Para ele, escrever é tentativa de iluminar
"nem que seja o nosso pequeno mundo"
Com mais de 70 livros publicados, entre romances, novelas,
crônicas, contos e cartuns, o escritor, cronista, jornalista, desenhista,
saxofonista, torcedor fanático do Internacional de Porto Alegre e filho de
Érico Verissimo (1905-1975) Luis Fernando Verissimo completou 80 anos em 26 de
setembro. O aniversário coincidiu com o lançamento de As Gêmeas de Moscou
(Companhia das Letrinhas), que conta a história das irmãs Olga e Tatiana,
idênticas na aparência e no gosto pelo balé. Mais talentosa, porém arrogante,
Olga vive um episódio marcante que vai mudar seu jeito de ser.
Outro lançamento é Verissimas (Editora Objetiva), antologia
de frases de obras de Verissimo garimpadas pelo publicitário e jornalista
Marcelo Dunlop. "Essa é mais uma coisa que acontece comigo sem minha
iniciativa. Nem vi ainda as frases que ele selecionou. Se não gostarem,
reclamem com o Marcelo", diz, com seu jeito tímido carregado de humor.
"A vida foi acontecendo. Por isso não tenho nenhum plano para os próximos
80 anos. A minha grande vocação, mesmo, é para me aposentar. É sério. Acho que
se eu parasse de escrever, não faria falta."
Sua carreira é dedicada a retratar situações nem sempre
engraçadas que fazem o leitor rir. Como quando fala da morte ou das
"DRs" entre casais. "Discutir a relação é tema que interessa. Um
dos protótipos que temos à mão; encontros, desencontros, bem
aproveitados." Não é por acaso que figura entre os autores brasileiros
mais lidos no mundo, apreciado por leitores de todas as idades, até mesmo do
público que ele agora brinda com as Gêmeas. "Nunca escrevi um livro
especificamente para o público infantil. É difícil escrever para criança,
acertar o ponto entre ser acessível sem ser condescendente."
Em bate-papo com leitores, fãs e aspirantes a escritor –
como foi batizado pela Editora da Unesp o encontro no começo de setembro, em
São Paulo –, Verissimo falou de tudo um pouco, pouco mesmo. Com frases curtas,
concisas, respondendo a perguntas longas, longas mesmo, muitas das quais
esquecia, fez a plateia rir e se emocionar.
Quando tinha 7 anos, seu pai foi convidado a lecionar na
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e a família ali viveu por três
anos. Na casa frequentada por intelectuais, ele se divertia lendo histórias em
quadrinhos, em especial de Tarzan, sendo então influenciado pela cultura
norte-americana. Daquela época, marcada pelos primeiros anos da Segunda Guerra,
ele guarda na memória suas brincadeiras solitárias. "'Matei' tanto alemão
e japonês enquanto brincava que o pai me levou ao médico. Acho que por isso sou
pacifista até hoje."
Aos 17 anos, voltou aos Estados Unidos, quando Érico foi
convidado a trabalhar em um departamento de cultura da Organização dos Estados
Americanos (OEA), em Washington. Nessa época aprendeu a tocar saxofone para
"brincar de jazzista", já que nunca chegou a se aprofundar. Acabou
entrando mais tarde para o grupo Renato e seu Sexteto, que na verdade tem nove
músicos, e há 16 anos se apresenta, embora nos últimos tempos esteja sem
condições físicas para tocar.
Nos tempos de Washington conviveu com Clarice Lispector
(1920-1977). Casada com diplomata, frequentava sua casa. "Ela escreveu o
melhor conto que li, A Menor Mulher do Mundo. Minha mãe era muito simples.
Clarice, intensa. Foi bom o convívio." A convivência com Clarice, a
leitura de cronistas como Rubem Braga (1913-1990) e Antônio Maria (1921-1964)
no começo dos anos 1950, e a leitura dos gibis na infância, porém, não
influenciaram sua carreira na literatura. "Comecei por acaso, aos 30 anos,
quando o pai falou com amigos no jornal Zero Hora e fui trabalhar lá. Eu estava
sem nenhuma perspectiva de emprego. Morei quatro anos no Rio e, antes de ir
para o jornal, tudo o que eu fiz não deu certo. A única coisa que deu certo foi
casar com a Lúcia, em 1963."
Verissimo e Lúcia Helena Massa estão casados até hoje. Ele
perdeu o sotaque. Parece um paulista falando. "Ela conserva o
carioquês", diz. Entre suas memórias no Zero Hora, está seu lado astrólogo.
"Fazia de tudo na redação, até horóscopo. Para não gastar muito tempo, eu
usava a mesma previsão. O touro de hoje era o leão de amanhã, porque as pessoas
só leem o próprio signo. Não é possível que leiam todos os signos todo
dia", lembra. "Até que um cronista foi para outro jornal e fui
transferido para o lugar dele. Eu, que sempre fui um grande leitor, descobri
que sabia escrever crônicas."
Também com jeito para desenhar, acabou influenciado pelos
cartuns nos Estados Unidos, criou As Cobras, tirinhas publicadas ainda hoje em
jornais, embora não as desenhe desde 1999. "Não ficava bem um homem de 60
anos desenhando cobrinhas."
Braguilha
Muito questionado pelos aspirantes a escritor, ele lembra
que é do tempo das redações com máquinas de escrever barulhentas. "Só mais
recentemente conquistei o direito de escrever sossegado, sem
interrupções." A rotina é determinada pelos prazos de entrega. "Três
vezes por semana faço crônicas para mandar para jornais. O bom é que a crônica
dá certa liberdade para o autor." E a inspiração? "A gente aproveita
de tudo. Uma vez fui entrevistado por uma repórter. Em vez de pedir autógrafo,
vi que ela é quem escrevia no meu livro. Fui ler: 'Luis, sua braguilha está
aberta'. Tudo pode ser tema de uma crônica, até mesmo uma braguilha
aberta", conta.
Você gargalha quando lê o que escreve? "Na hora que
escrevo, não. Às vezes mais tarde, quando leio, sim. Mas às vezes a gente se
decepciona também." Cursos podem formar escritor? "Tudo o que ensina
a escrever é válido, mas não se pode esperar que venha daí um talento. Em um
curso desses se aprende a escrever corretamente. Mas continue", recomenda.
"A inspiração você busca em outro lugar."
Resistente à tecnologia, ele diz que não tem celular. Quando
precisa, usa o de Lúcia. No entanto, concorda que se trata da grande novidade.
"Hoje, com ela, se pode fazer tudo sozinho. Escrever, publicar, lançar. Há
poucos leitores, mas muito editores. Cada vez menos livrarias. Há um
preconceito nosso, a gente se criou com o livro na mão, o cheiro do livro.
Nostálgicos vão manter o papel. Com papel ou sem papel sempre vai haver o
escritor."
Taxado de comunista pela direita e de reacionário pela
esquerda, Érico Verissimo se autointitulou socialista democrático. "Estou
mais à esquerda do que ele, mas também me defino como um socialista
democrático." Em Solo de Clarineta, livro de memórias lançado em 1973, em
que Verissimo pai traz reflexões sobre sua obra e revela a trajetória da
família desde a sua infância, o autor menciona que queria ser uma luz para
iluminar a sociedade.
Verissimo filho pensa de maneira semelhante. "Qualquer
tipo de literatura, seja romance, crônica – e o texto do pai ia nesse sentido –
é uma tomada de posição, uma maneira de a gente acender uma luz na
escuridão", diz. "A ideia é ser uma maneira de iluminar. O escritor
tem de acender uma luz na escuridão, que é a própria dualidade humana. Faltando
uma vela, acende um fósforo. A ideia é de a literatura iluminar o mundo, nem
que seja o nosso pequeno mundo."
Via RBA
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