Você fica assustado com o teor assustadoramente agressivo de alguns comentários realizados em redes sociais ou sites em geral? Acredite você não é o único e esse fenômeno é até tema de estudos de comportamento. Uma das especialistas na área é a norte-americana Pamela Rutledge, do Media Psychology Research Center, que fica na Califórnia.
Impotência, frustração e uma necessidade de se impor sobre
outras pessoas. Assim, a psicóloga americana Pamela Rutledge, diretora do Media
Psychology Research Center (Centro de Pesquisas sobre Psicologia e Mídia), na
Califórnia, avalia a agressividade de muitos "comentaristas" de redes
sociais em tempos de polarização política no Brasil.
Pamela Rutledge |
"Já estamos acostumados com a ideia de que nosso
comportamento obedece a regras sociais, mas ainda não percebemos que o mesmo
vale na internet".
Além da polarização política ou ideológica, a especialista
comenta a ascensão de temas como diversidade sexual, racismo e machismo ao
debate público, graças às redes sociais.
"Tudo isso já acontecia, mas não tínhamos
conhecimento."
Leia os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Estamos mostrando o nosso 'lado negativo' nas
redes sociais?
Pamela Rutledge - As pessoas são as mesmas, online ou
offline. Mas a internet tem a ver com respostas rápidas. As pessoas falam sem
pensar. É diferente da experiência social offline, em que você se policia por
conta da proximidade física do interlocutor. Nós já estamos acostumados com a
ideia de que nosso comportamento obedece a regras sociais, mas ainda não
percebemos que o mesmo vale na internet.
BBC Brasil - No Brasil, a polarização política tem levado
pessoas com visões distintas a se ofenderem e ameaçarem, tanto em comentários
em sites de notícias quanto nas redes sociais. A internet estimularia o
radicalismo?
Rutledge - As redes sociais encorajam pessoas com posições
extremas a se sentirem mais confiantes para expressá-las. Pessoas que se sentem
impotentes ou frustradas se comportam desta maneira para se apresentarem como
se tivessem mais poder. E as pessoas costumam se sentir mais poderosas tentando
diminuir ou ofender alguém.
BBC Brasil - Os comentários na internet são um índice
confiável do que as pessoas realmente acreditam?
Rutledge - Depende do tópico. Mas as pessoas que tendem a
responder de maneira agressiva não representam o sentimento geral.
BBC Brasil - As pessoas com opiniões menos radicais têm
menos disposição para comentar do que as demais?
Rutledge - Sim. Porque os comentários agressivos têm mais a
ver com a raiva das pessoas do que com uma argumentação para mudar a mente das
outras. Quem parte para a agressividade, não está dando informações para trazer
alguém para seu lado, estas pessoas querem apenas agredir.
BBC Brasil - A "trollagem", gíria de internet para
piadas ou comentários maldosos sobre anônimos e famosos, muitas vezes feitos
repetidamente, é vista por muita gente como diversão. Há perigos por trás das
piadas?
Rutledge - No caso das celebridades que são alvo da
''trollagem'', os fãs vêm defendê-las, então, elas não costumam precisar tomar
qualquer iniciativa. No caso dos anônimos, a recomendação é usar ferramentas
para solução de conflitos, como encorajar seus amigos e conhecidos a não serem
espectadores, mas a tomarem atitudes em defesa do ofendido. Isso não significa
discutir com os autores das ofensas, porque isso alimenta os ''trolls'' e é
isso que eles querem.
BBC Brasil - Os procedimentos de segurança do Facebook e do
Twitter são suficientes para proteger os alvos de bullying?
Rutledge - Seria ingênuo esperar que qualquer companhia,
mesmo do tamanho do Facebook e do Twitter, seja capaz de monitorar e ajudar
neste tipo de situação. E não dá para deixar só para as empresas aquilo que
devemos ser responsáveis, nós mesmos. É importante que as pessoas entendam como
funcionam as ferramentas e seus mecanismos para privacidade. Se a conclusão for
que o Facebook não oferece o suficiente, que as pessoas se posicionem e
reclamem: ''Não é suficiente''.
BBC Brasil - Que tipo de doenças são ligadas ao uso da
internet ou das redes sociais?
Rutledge - A resposta simples é não, não há doenças causadas
pela internet. Há preocupações recorrentes com o vício em internet ou em redes
socais. Mas vícios são doenças bastante sérias e a internet não cria
personalidades com vícios. As pessoas usam as redes da mesma forma que usam
álcool, jogos, chocolate, ou qualquer outra coisa que mascare problemas
maiores.
BBC Brasil - Problemas como...?
Rutledge - Falta de autoestima, depressão. É importante
chegar à real causa do vício, apenas cortar a internet não muda nada.
BBC Brasil - Temas como diversidade sexual, racismo e
machismo, vistos como tabus até recentemente, são hoje bastante populares
online. Como vê estes tópicos ganhando atenção?
Rutledge - É sempre positivo que as pessoas debatam e
desenvolvam seu conhecimento sobre temas. Mesmo que a conversa termine de forma
negativa, isso ainda vale para que se perceba o que está acontecendo a seu
redor. Afinal, tudo isso já acontecia, mas não tínhamos conhecimento – e isso
significa que estamos nos aproximando da possibilidade de transformá-las.
BBC Brasil - Quais são os conselhos para os pais ajudarem
seus filhos a não embarcarem nas ondas de ódio das redes sociais?
Rutledge - A primeira coisa é conversar com as crianças
desde muito cedo sobre tecnologia. Muitos evitam porque não entendem bem a
tecnologia. Mas a tecnologia é apenas o "lugar" onde as coisas estão
acontecendo; o principal ainda são os valores. Então, se algo está acontecendo
em qualquer plataforma que os pais não conheçam bem, a sugestão é que chamem as
crianças e peçam que elas deem seu ponto de vista. Aí sim eles poderão entender
como as crianças estão lidando com a questão e, a partir daí, decidir quais
devem ser as preocupações. A responsabilidade pode ser compartilhada. É
importante ensinar os filhos a pensarem criticamente.
BBC Brasil - Muitos acham que ler históricos de conversas
dos filhos ou usar apps para controlá-los é a melhor forma de ajudar as
crianças. O controle é uma boa saída?
Rutledge - Os pais precisam entender que devem escutar seus
filhos. Claro que cada situação tem suas características, mas geralmente
controlar significa que você não conversou com eles e não lhes deu
oportunidades para tomar decisões.
O problema é que, em algum momento, eles vão precisar tomar
decisões por si mesmas e você não vai estar ali, nem o seu "app de
controle". Então, é muito melhor dialogar, e isso costuma ser muito
difícil para os pais, que tendem dizer o que os filhos devem fazer, sem
conversa.
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